(Folha de S. Paulo, 04/03/2015) Na região, entre 2000 e 2010, os rendimentos das mulheres contribuíram para a redução de cerca de 30% da pobreza extrema e da desigualdade
As mulheres latino-americanas se tornaram um instrumento de mudança em seus países. Mais de 70 milhões de mulheres ingressaram no mercado de trabalho nos últimos anos. Dois terços do aumento na participação da mão de obra feminina nas duas últimas décadas podem ser atribuídos a um nível educacional mais elevado e às mudanças na formação familiar, como o casamento tardio e a menor fertilidade.
Educação e capacitação econômica estão intimamente ligadas. Ao apoiar a educação de mulheres e meninas, a América Latina conseguiu reduzir a disparidade no ensino, levando mais mulheres do que homens às escolas.
Os rendimentos das mulheres contribuíram para a redução de cerca de 30% da pobreza extrema e da desigualdade na região entre 2000 e 2010. Elas desempenham um papel fundamental na condução do crescimento necessário para acabar com a pobreza extrema e na construção de sociedades resilientes.
Para que a América Latina faça a transição de uma região de renda média para alta, homens e mulheres precisam empurrar as fronteiras da igualdade de oportunidades. Mas, para chegar lá, é preciso lidar com três questões principais.
Primeiro, as taxas de violência e gravidez na adolescência permanecem altas. Quase uma em cada três mulheres da América Latina já sofreu algum tipo de violência perpetrada pelo companheiro. Combater a violência doméstica é vital, tanto pelo dano terrível que causa aos indivíduos quanto pelo impacto sobre famílias, comunidades e na economia. O Brasil perde 1,2% do seu PIB devido a perdas de produtividade ligadas à violência de gênero.
No Rio de Janeiro, o Banco Mundial está trabalhando com o governo para melhorar o sistema de transporte urbano e torná-lo mais seguro para as mulheres, oferecendo acesso a serviços como postos de polícia feminina, clínicas para mulheres, varas de família, iluminação mais adequada, construção de banheiros femininos e disponibilização de totens informativos em alguns dos principais terminais.
Em segundo lugar, a região encontra dificuldade de fortalecer a capacidade das mulheres para assumir o controle de suas vidas; quer seja a menina boliviana que fala quéchua e se esforça para concluir o ensino médio; a mãe moradora de uma favela nos arredores de Lima que luta para ter acesso à assistência médica; ou uma trabalhadora no Rio que tenta competir em condições de igualdade por empregos com maiores salários.
Mesmo possuindo níveis de formação mais elevados, as mulheres no Brasil, Chile, México, ou Peru recebem salários inferiores aos dos homens, especialmente nas profissões mais qualificadas.
Finalmente, bons modelos femininos de liderança podem fazer a diferença. A região tem um número recorde de mulheres chefes de Estado e uma média de 26% de mulheres em Parlamentos. No Brasil, o Banco Mundial trabalha em estreita colaboração com a bancada feminina no Congresso para ajudar as mulheres a participar mais ativamente na política.
Eu me lembro da primeira reunião com a minha equipe administrativa quando me tornei ministra das Finanças da Indonésia. Eu era a pessoa mais nova e a primeira mulher a ocupar esse cargo. Todos na sala eram homens. Naquele momento, soube que deveria me esforçar mais do que qualquer homem para provar que poderia ocupar o cargo. Tenho certeza de que muitas mulheres na América Latina passaram por experiências semelhantes.
Nenhum país pode alcançar o seu potencial até que todos os seus habitantes sejam capazes de fazer o mesmo. A América Latina tem muito a compartilhar sobre suas experiências e deve manter o foco para fechar as lacunas que ainda persistem. A região dispõe dos homens e, certamente, das mulheres para realizar esse trabalho.
Sri Mulyani Indrawati, doutora em economia pela Universidade de Illinois, é oficial-chefe de Operações do Grupo Banco Mundial
Acesse o PDF: A América Latina depende das mulheres, diz Sri Mulyani Indrawati (Folha de S. Paulo, 04/03/2015)