(El País, 05/04/2015) Uma onda de protestos nos Estados Unidos provocou na semana passada a retificação de duas leis que ameaçavam o avanço dos direitos dos homossexuais em nome da liberdade religiosa. As manifestações, boicotes e pronunciamentos das maiores empresas do país, quase de forma uníssona, conseguiram que os Estados de Indiana e Arkansas dessem um passo atrás para evitar que as leis fossem utilizadas para discriminar os gays. Mas as legislações jogaram luz sobre a tentativa do setor mais conservador da sociedade norte-americana de impedir a consolidação de direitos que muitos já consideram inevitáveis.
O cabo de guerra disputado nos últimos dias por conservadores e a comunidade homossexual é o mesmo que foi travado nas primeiras regulamentações do direito ao aborto ou do acesso aos contraceptivos. A sociedade norte-americana, impulsionada por uma mudança demográfica que forma uma nação mais diversa e mais progressista, apoia amplamente o direito à igualdade dos homossexuais. No outro extremo, a liberdade religiosa se converte no último recurso legal dos conservadores contra esse avanço.
Os principais líderes republicanos defenderam a lei de Indiana, copiada depois por Arkansas. O republicano Jeb Bush, ex-governador da Flórida e provável pré-candidato à Casa Branca, afirmou que Indiana fez “o correto” e que a lei “não é discriminatória”. Seu companheiro de partido e pré-candidato à Presidência em 2016 Ted Cruz comemorou que a lei tenha dado voz “a milhões de bravos conservadores”.
Estratégia republicana é uma resposta aos últimos avanços dos direitos dos homossexuais, de acordo com Sally Steenland, do Center for American Progress. A Suprema Corte vai estudar nesse semestre se os homossexuais têm direito a se casar. Seis de cada 10 eleitores apoiam o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e sete de cada 10 moram em um dos 37 Estados onde o matrimônio homossexual é reconhecido. Para 72%, o casamento igualitário é inevitável, segundo dados do Centro Pew. Os números motivaram uma manchete do jornal conservador The Indianapolis Star essa semana. Eram três palavras em branco sobre o preto para cobrar dos parlamentares a mudança da lei: “Corrijam isso já”.
Os republicanos se amparam em uma lei sancionada por Bill Clinton em 1993, mas o país mudou profundamente desde então. Dezenas de organizações civis reagiram contra Indiana, assim como as grandes empresas Apple, Walmart, General Electric e Yelp e governadores democratas que anunciaram boicotes contra Indiana.
Os Estados Unidos buscam o limite em que a liberdade religiosa e os direitos das minorias possam conviver. Os assuntos sociais separam os republicanos dos democratas, ainda que, no caso de Indiana, os conservadores tenham um conflito interno, obrigados a satisfazer os eleitores mais velhos sem comprometer o seu eleitorado mais jovem futuro nem a ala empresarial do partido.
Nesse primeiro choque cultural do ano, venceu o direito à igualdade dos homossexuais. Os protestos realizados durante toda a semana obrigaram Indiana a modificar o texto da lei para proibir que se negue atendimento a qualquer pessoa nos comércios. “A mensagem é clara. Nossos negócios estão abertos. Damos as boas-vindas a todo mundo. Não discriminamos ninguém”, afirmou o porta-voz da Assembleia do Estado, Brian Bosma.
Cientes do risco de perder eleitores por essas posições mais conservadoras, o grupo de jovens Log Cabin Republicans comemorou as mudanças na legislação. “Era ampla e vaga demais e convidava todo mundo a acreditar que o Estado te defenderia se você fosse acusado de discriminação”, disse seu diretor, Gregory Angelo. “Agora sim está claro que a liberdade religiosa e os direitos da comunidade LGBT podem conviver”.
O primeiro sinal de desconexão entre os políticos mais conservadores e o restante da sociedade aconteceu no domingo passado. Um jornalista perguntou ao governador de Indiana, Mike Pence, se sua nova lei dava permissão para discriminar. Sua reação foi uma gagueira de vários dias. Na quinta-feira, Pence atribuiu a firme reação da população a uma “confusão” criada pelos veículos de comunicação.
“A lei representa uma limitação ao que o Governo federal pode dizer e o que não pode”, afirma Montserrat Alvarado, diretora de operações da fundação Becket Fund, especializada na interseção entre liberdade religiosa e os direitos das minorias.
A rejeição e a reação quase coordenada de dezenas de organizações revelam uma mudança de mentalidade impensável há apenas cinco anos. “Ao ter que falar de discriminação, eles perderam a iniciativa nesse debate”, afirma Sally Steenland. A especialista define a reação da sociedade e dos líderes empresariais como uma “bofetada” nos republicanos. “O que os surpreendeu foi a força e a altura que alcançou a rejeição em todo o país”.
A aprovação das leis em Indiana e Arkansas funcionou como um sinal vermelho para os republicanos. O governador de Indiana, Mike Pence, levou apenas uma semana para propor uma emenda para impedir a discriminação por motivos de orientação sexual. Seu homólogo de Arkansas, que havia copiado o texto em um projeto similar, anunciou que não vai sancionar a lei. E na Georgia, o próximo Estado da lista, a votação foi cancelada.
Para a União Americana pelos Direitos Civis, a volta atrás “representa uma mudança drástica” na forma como os EUA tratam a discriminação em nome da religião. “Indiana cometeu um erro terrível e perigoso e enfrentou uma condenação que vai prejudicar sua reputação e sua economia”. Esse foi o mesmo argumento de cinco ex-prefeitos de Indianápolis, que exigiram em uma carta a correção imediata da lei para evitar “consequências indesejadas”.
A avalanche de protestos, e a conseguinte retificação, pode ter ocorrido a tempo de evitar que essa polêmicas e torne um problema para a campanha presidencial republicana. O partido conservador enfrenta o desafio de convencer um eleitorado cada vez mais jovem, mais diverso e mais aberto aos avanços sociais do que nunca antes nos EUA.
Cristina F. Pereda
Acesse no site de origem: A igualdade vence os preconceitos (El País, 05/04/2015)