(O Estado de S. Paulo) “Não há unanimidade sobre se ela é a primeira mulher presidente ou a primeira presidente mulher do Brasil”. Para elucidar essa questão, as jornalistas Flávia Tavares e Patrícia Campos Mello procuraram especialistas como a socióloga Fátima Pacheco Jordão, diretora do Instituto Patrícia Galvão, e as pesquisadoras Teresa Sacchet, do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, e Maria Celina D’Araujo, Fundação Getúlio Vargas.
Veja a seguir alguns trechos da reportagem:
“A chegada de Dilma ao poder foi construída com base em ambiguidades na questão de gênero. A campanha da petista se apropriou de imagens intrinsecamente femininas, embora ultrapassadas. Associou a candidata ao título de ‘mãe do PAC’ ou de ‘mulher do Lula’ e tornou Dilma uma sucessora palatável, já que ‘subalterna’ ao futuro ex-presidente. ‘Isso foi intencional. Se o continuador fosse um homem, parte do eleitorado, sobretudo o masculino, poderia achar que o sucessor logo teria autonomia e se desligaria de Lula’, explica Fátima Pacheco Jordão, diretora do Instituto Patrícia Galvão, socióloga e especialista em pesquisas de opinião. Ela lembra que Dilma foi trabalhada para ser feminina ‘na aparência física, na contemporaneidade de seu cabelo’. ‘Ela foi se aperfeiçoando para ser mais feminina e não para se transformar numa ‘coronela’. Dilma também evitou formular políticas e propostas claras para as mulheres. Sempre reforçou o discurso de que poderia ser ‘a primeira presidenta’ do País, mas comprometeu-se pouco em atender aos interesses femininos. ‘É uma questão de conveniência eleitoral. Em temas delicados como planejamento familiar ou saúde, que era uma franquia forte do opositor, Dilma foi cuidadosa em seu programa’, diz Fátima.”
“A polêmica do aborto ofuscou um possível maior engajamento da petista nos temas relevantes para as feministas. A armadilha eleitoral levou Dilma a recuar numa bandeira fundamental. ‘O clima de conservadorismo que se instalou no País, especialmente no segundo turno, pode prejudicar até os poucos direitos das mulheres e dos homossexuais conquistados até aqui’, lamenta Teresa Sacchet, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs), da Universidade de São Paulo. Para ela, a nação tornou-se mais intolerante e os candidatos perderam a oportunidade de ocupar politicamente o espaço para discutir questões de gênero. ‘É uma estratégia equivocada até do ponto de vista eleitoral. Falar para as mulheres poderia conquistar os indecisos’.”
“Apesar do estereótipo retrógrado e do baixo comprometimento, a eleição de Dilma pode representar um grande avanço para a ocupação do espaço político pelas mulheres. ‘Mesmo com todo o retrocesso, as candidaturas de Dilma e de Marina Silva e, agora, a eleição da petista criam um impacto permanente, a sociedade passa a discutir questões de gênero’, diz Teresa. ‘E, ainda que ela não tenha feito uma campanha feminista, como foi a de Bachelet, ela é sensível aos temas que atingem as mulheres. Não acredito que seja uma Margaret Thatcher’.”
“A eleição de Dilma dá vazão a uma demanda represada por mais representatividade feminina no poder. Uma pesquisa do Instituto Patrícia Galvão com o Ibope, realizada no início de 2009, mostrou que, do total de 2.002 entrevistados, 83% acreditam que a presença de mulheres melhora a política. Além disso, nove entre dez votariam em uma mulher e 59% fariam isso para qualquer cargo em disputa. ‘A eleição de Dilma desmistifica de vez os preconceitos e derruba o mito de que mulher não vota em mulher, por exemplo’, acredita Fátima Jordão.”
“Para Maria Celina D’Araujo, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a ascensão de minorias sociais em geral – e não só mulheres – a postos de poder é um fenômeno generalizado, e não restrito ao Brasil. Nos últimos anos, houve eleição de presidentes indígenas na Bolívia e no Peru, mulheres no Chile e na Argentina, um operário no Brasil e um negro nos Estados Unidos. ‘Isso está relacionado ao processo de redemocratização na região’, diz.”
“O estudo do Instituto Patrícia Galvão apontou que há uma percepção de que mulheres são mais comprometidas com valores éticos. ‘Existe também uma pesquisa feita pelo Banco Mundial que mostra que cidades administradas por mulheres têm menos casos de corrupção’, afirma Teresa Sacchet.”
Acesse a matéria em pdf: Mulher presidente ou presidente mulher? (O Estado de S. Paulo – 01/11/2010)
Contato:
Fátima Pacheco Jordão – socióloga
Instituto Patrícia Galvão
São Paulo/SP
(11) 3826-7651 / 9423-9402 – [email protected]
Teresa Sacchet – cientista política e pesquisadora
Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP
São Paulo/SP
(11) 3091-3272 (nupps) / 8110-3570 – [email protected]