Gravidez não programada e dramas sociais, editorial do Jornal O Globo

14 de junho, 2015

(O Globo, 14/06/2015) A grande quantidade de menores sem perspectiva obriga a sociedade a pressionar governos por um apoio eficiente às mulheres de baixa renda, para fazerem o planejamento familiar

A desigualdade é marca histórica da sociedade brasileira. O abismo entre os mais ricos e os mais pobres e a falta de oportunidades iguais para todos são denunciados por pesquisadores, que citam, entre outros indicadores, salários, expectativa de vida e analfabetismo. Mas há um fator profundamente ligado à questão que não recebe a devida atenção: a exclusão de parte da população das práticas de planejamento familiar, um privilégio de quem tem mais escolaridade e renda.

Dados fornecidos pelo IBGE – Arte O GLOBO

São dramas como o de Fabiane Ferreira, citada na série de reportagens do GLOBO “Os miseráveis”, sobre a pobreza extrema no estado, a maior do Sul-Sudeste. Aos 29 anos, ela tem cinco filhos, sendo que o primeiro nasceu quando ela tinha 13. Fora de programas de renda mínima ou qualquer assistência estatal, é exemplo do ciclo de reprodução da miséria que a falta de planejamento familiar só agrava, atingindo a todos

A começar, obviamente, pelos próprios miseráveis, sem condição alguma de dar aos muitos filhos destino diferente. Estão condenados a viver em bolsões de pobreza e marginalidade propícios à violência, tornando-se, ainda crianças e adolescentes, tanto vítimas — de truculência policial, sobretudo — quanto agentes de crimes chocantes.

A participação de menores em crimes graves obriga a sociedade a refletir, sem paixões nem tabus, sobre como são criados menores envolvidos com crime. A questão não é jogar ou não toda a responsabilidade em cima de uma mãe pobre que, em muitos casos, precisa criar os filhos sem a presença paterna. E mesmo que ela exista. Um ponto-chave está na falta de um suporte específico e eficiente do Estado em programas de saúde, com apoio para o planejamento familiar, sem falar na educação.

O tema deve ser tratado sem restrição religiosa. Apenas critérios médicos e a conveniência de cada mulher devem pautar a escolha dos métodos contraceptivos , já que o Estado é laico. Da mesma forma, precisam ser deixados de lado preconceitos políticos que veem no planejamento familiar uma ação “de direita” contra os pobres. É justamente o contrário: dar a uma mulher miserável acesso fácil aos meios contraceptivos é permitir que ela decida quantos filhos ter, de acordo com suas possibilidades — da mesma forma que nas classes média e alta.

A taxa de fecundidade (número médio de filhos que teria uma mulher ao final de seu período reprodutivo) é menor quanto maior é a escolaridade — e, por extensão, a renda. Ela tem caído em todo o país ao longo das décadas, mas, nas regiões mais pobres, Norte e Nordeste, está sempre acima da média brasileira (veja gráficos).

Se o planejamento familiar está ligado à escolaridade, informação é elemento básico. É preciso investir em educação sexual, com foco na prevenção da gravidez precoce, que tira meninas pobres da escola, diminuindo suas chances de escapar da pobreza e da ignorância, cujas consequências são trágicas para todos. A ainda elevada taxa de natalidade entre famílias pobres e, portanto, de baixa instrução, é eficiente usina de geração de brasileiros sem perspectiva, estímulo de incontáveis dramas sociais.

OS PONTOS-CHAVE

1 – Planejamento familiar é privilégio porque o Estado não dá apoio a mulheres pobres em ações de saúde

2 – Ciclo de reprodução da miséria de geração em geração se agrava com proles numerosas

3 – Ambientes marginalizados expõem crianças e jovens à violência, seja como vítimas ou agentes de crimes

4 – Fecundidade cai em duas faixas de escolaridade mas é mais alta em mulheres com menos instrução

5 – Tendência é de queda em todas as regiões mas média no Norte-Nordeste é mais alta que a nacional

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