Os 55 anos da pílula: da revolução feminina ao desafio masculino

15 de junho, 2015

(O Globo, 15/06/2015) Reportagens da época mostram que anticoncepcional chegou às prateleiras em meio a grande expectativa

“Poderá uma pílula salvar a Humanidade?”. Sua chegada às farmácias de todo o mundo trouxe enorme expectativa, como fica claro no título publicado pelo GLOBO em 10 de fevereiro de 1962, depois do seu lançamento no mercado mundial. Nos EUA, isto ocorreu em agosto de 1960 e, em seguida, no Brasil. Em cerca de uma década, dez milhões de mulheres já consumiam o anticoncepcional. Hoje, estimam-se em cem milhões de usuárias de uma enorme diversidade de opções de contraceptivos hormonais. A grande expectativa atualmente é com a pílula masculina.

Laboratório. Cientistas trabalham na fórmula do anticoncepcional
Foto: Foto de arquivo/1972

Laboratório. Cientistas trabalham na fórmula do anticoncepcional (Foto de arquivo/1972)

As primeiras cartelas foram liberadas para mulheres que apresentassem receita médica e certidão de casamento. Dos anos 1960 para cá, o impacto comportamental que a pílula provocou foi enorme e, invariavelmente, ela vem associada a expressões como “revolução sexual” e “emancipação feminina”. Mas a preocupação brasileira à época de seu lançamento era, principalmente, o rápido crescimento populacional.

“Quantos filhos terá sua neta? A surpreendente resposta, se os entendidos estão certos, é que ela terá tantos quantos lhe ordenarem que tenha. Esses cientistas atestam que drásticas restrições à louca elevação numérica da humanidade virão, seja como fôr, dentro dos próximos cem anos”, diz a reportagem de 1962.

REJEIÇÃO HISTÓRIA DA IGREJA CATÓLICA

Pelo menos essa “salvação” — controle de natalidade — foi garantida. Associado a outros fatores além da pílula, os números de nascimentos caíram. Segundo o IBGE, em 1960 as brasileiras tinham, em média, 6,3 filhos. Em 1970, o número diminui para 5,8; e, em 2007, chegou a 1,95.

— Houve redução, mas o impacto da pílula, se fosse o carro-chefe de programas de planejamento familiar, poderia ser muito maior no Brasil — comenta o ginecologista Luiz Fernando Dale, da Clínica Dale, que enfatiza a revolução provocada pelo medicamento. — A pílula trouxe uma liberdade que antigamente era exclusiva do homem. Ela trouxe igualdade na esfera sexual, isto foi fabuloso.

Uma década antes de começar a ser vendida, a pílula já ganhava uma inimiga histórica: a Igreja Católica. A rejeição dos sacerdotes ao método contraceptivo, que ainda se mantém, era tema frequente de discussão. Em 17 de setembro de 1962, O GLOBO publicou o primeiro posicionamento oficial após o início das vendas, emitido pelo Papa Pio XII. Ele reafirmou as palavras de seu predecessor, Pio XI, que foi taxativo: “Êsse atentado, que tem por fim impedir a procriação de uma nova existência, é imoral e nenhuma ‘indicação’ ou necessidade pode transformar em ato moral e lícito uma ação intrinsecamente imoral”.

Além de debates morais, incertezas sempre permearam o uso do anticoncepcional. A principal delas é sobre sua segurança: “Essas pílulas parecem não fazer mal, se tomadas mais ou menos por um ano. Caso, porém, se deseje um filho depois de essas pílulas terem sido tomadas durante alguns anos, poderá essa forma de prática anticoncepcional prejudicar a criança?”, publicou O GLOBO no dia 8 de maio de 1961.

Luiz Fernando Dale explica que elas são seguras, eficazes e que o mecanismo de ação da pílula não mudou. Basicamente, ela age ao manter níveis constantes de progesterona e estrogênio, que inibem os hormônios LH e FSH na hipófise (glândula no cérebro), impedindo, assim, a ovulação. Elas, segundo Dale, avançaram, e a principal evolução foi a redução da quantidade de hormônio despejado no organismo feminino, hoje 30 vezes menor do que o das primeiras fórmulas, o que reduziu os efeitos colaterais.

— Em mulheres sem fatores de risco, a única restrição que existe de concreto é o fumo. A mulher deveria escolher entre a pílula e o cigarro — afirma Dale, lembrando, no entanto, que um novo estudo deixou médicos atentos.

Publicada na revista “British Medical Journal” no mês passado, a pesquisa traz evidências de que pílulas anticoncepcionais mais recentes têm mais risco de coágulos sanguíneos graves (distúrbio do sistema circulatório conhecido como tromboembolismo venoso).

— No momento, isto está balançando a comunidade médica. Não é para abandonar a pílula, mas estamos de olho. Mais estudos precisam comprovar ou descartar esse dado — afirma.

Nos últimos anos, pesquisadores ao redor do mundo se empenham noutro grande desafio: desenvolver um anticoncepcional para homens. A tarefa está avançada, e um dos grupos que trabalham na meta, a Fundação Parsemus, espera lançar o produto, hoje em fase de testes, em 2017 no mercado americano.

O mecanismo consiste na aplicação de um gel nos vasos deferentes, localizados nos testículos, que bloqueia a passagem dos espermatozoides. Ele funciona por até dez anos e pode ser revertido com a aplicação de uma injeção de bicarbonato de sódio no local.

Flávia Milhorance

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