(Terra, 25/06/2015) Quando um jornalista perguntou à ministra das Relações Exteriores da Suécia, Margot Wallström, que tinha recém-assumido o cargo, qual seria sua política na pasta, ela não hesitou em responder: feminista.
A resposta assustou muita gente, mesmo entre os suecos mais liberais. Era outubro de 2014 e o governo social-democrata de Stefan Lofven tinha acabado de chegar ao poder. Em um primeiro momento, ninguém deu importância à resposta de Wallström.
No entanto, a ministra, de 60 anos, que antes havia sido integrante da Comissão Europeia e a primeira Representante Especial do Secretário-Geral da ONU para Violência Sexual em Conflitos, não estava brincando. Ela estava decidida a priorizar a luta por igualdade de gênero na sua gestão.
Oito meses depois, o ministério que ela dirige está a ponto de publicar um “manual” sobre a “nova forma” de se fazer política exterior, colocando a igualdade de gênero como questão central.
Mas o que é uma política exterior feminista?
‘Caixa de ferramentas de três erres’
A política exterior feminista busca assegurar os direitos e a participação da mulher no processo de tomada de decisões centrais, mesmo em negociações de paz.
“Não é só um assunto de igualdade de gênero, mas também de desenvolvimento humano e de segurança. É uma maneira de alcançar sociedades melhores e mais sustentáveis”, explica à BBC Eric Sundstrom, assessor político da ministra Wallström.
Esta forma inédita de observar as relações internacionais se sustenta sobre três eixos, chamados pelo governo sueco de “caixa de ferramentas” dos “três erres”: respeito pelos direitos, representação e recursos.
Respeito pelos direitos humanos porque, segundo o diagnóstico do governo sueco, os direitos das mulheres têm sido tratados como um tema à parte dos direitos humanos e, muitas vezes, ficam excluídos das políticas neste âmbito.
“Os direitos humanos são os direitos da mulher”, disse Wallström em inúmeras ocasiões.
A criação de novas coalizões globais deve não só assegurar que as perspectivas de gênero estejam incluídas nas discussões estratégicas e decisões, como também deveriam ser concretizadas dentro dos próprios países.
O segundo eixo tem a ver com melhorar a representação feminina em todos os âmbitos, desde a governabilidade até as conversas de paz, passando pela economia e pelas instituições fundamentais.
Esta é uma condição “sine qua non” para alcançar igualdade de gênero. “Só por meio da participação ativa em todos os níveis de tomada de decisão é que será possível transformar as agendas”, explicou Wallström.
O último eixo é o de recursos e busca aumentar e redirecionar os recursos para objetivos de gênero. Isso requer um compromisso político, pressupostos especiais e a flexibilidade de se obter mais dinheiro para esses objetivos.
Teoria e prática
A teoria soa convincente. Mas como a Suécia está colocando isso em prática?
“Se você analisa a teoria das relações internacionais, é feita uma distinção entre poder duro e poder brando. Uma política de relações exteriores feminista se constrói sob o conceito de ‘poder inteligente’, ou seja, com o uso de diferentes ferramentas dependendo de cada situação”, explicou Sundstrom.
Para começar, os quatro principais cargos estratégicos para administrar a agenda exterior sueca estão sendo ocupados por mulheres.
Encabeçadas pela ministra Wallström, a lista inclui Isabella Lovin, ministra do Desenvolvimento e Cooperação Internacional, Annika Soder, secretária de estado para o Ministério das Relações Exteriores, e Ulrika Modéer, secretária de estado para o Ministério de Desenvolvimento e Cooperação Internacional.
E nos próximos dias, espera-se que o ministério publique um documento interno com diretrizes claras para mudar a forma tradicional como se administra a secretaria para uma forma mais feminista.
Além disso, já foi pedido a cada embaixada sueca que informe detalhadamente sobre a situação da igualdade de gêneros do país e como podem trabalhar em conjunto para melhorá-la e promover a igualdade.
A primeira grande medida fomentada pela diplomacia sueca neste âmbito foi a proposta apresentada na União Europeia de priorizar o papel da mulher nas negociações de paz e segurança no continente.
Tendo como eixo a Resolução 1325 da ONU, documento formal do Conselho de Segurança que exige às partes do conflito respeitar os direitos das mulheres e apoiar sua participação nas negociações de paz e na reconstrução, a Suécia propôs à União Europeia nomear um comissário de alto nível e especialista nesta resolução, como uma forte mensagem tanto externa, quanto interna.
Em abril do ano passado, a primeira jogada da diplomacia feminista sueca rendeu frutos: a UE confirmou que estabelecerá um novo cargo por meio do Serviço Europeu de Ação Exterior.
O impasse saudita
No entanto, nem todos viram com bons olhos a política exterior da Suécia.
Em março, a Arábia Saudita rompeu relações e retirou seu embaixador de Estocolmo assim que Wallström criticou duramente no Parlamento sueco as práticas do país, que denominou “violação dos direitos humanos”, com a falta de liberdade para mulheres, já que lá elas não têm permissão sequer para dirigir.
Além disso, ela atacou a flagelação pública o blogueiro Raif Badawi.
Foi um escândalo. Não foi só a Arábia Saudita que ficou enfurecida. Ela foi condenada pelo Conselho de Cooperação do Golfo e Organização de Cooperação Islâmica a acusou de ter criticado a lei islâmica e o islamismo ao sair a defesa de Badawi.
O problema é que a Arábia Saudita é um importante parceiro comercial da Suécia e até pouco tempo antes era um dos principais compradores de armas do país nórdico por meio de um acordo de defesa que o novo governo não renovou.
O mal-estar só foi resolvido com uma retratação do governo sueco dizendo que não foi sua intenção criticar a lei islâmica ou o Islã, e o embaixador foi realocado.
“Não estamos recuando, mantemos firmes nossos princípios, mas quando uma pessoa tem um diálogo aberto, é preciso também ser respeitoso”, disse Sundstrom.
“Entendemos que, para muitas regiões do mundo, esse não é um tema fácil de trabalhar. Queremos seguir interagindo com elas e temos o maior respeito por todos os contextos locais”, prosseguiu.
Superpotência humanitária?
O impasse com a Arábia Saudita é um exemplo revelador dos limites da diplomacia feminista sueca. “A Suécia enfrentará um dilema clássico: relações internacionais x interesse nacional”, explica Magnus Reyner, professor de Relações Internacionais na universidade King’s College de Londres.
Em outras palavras, “você sempre vai encontrar problemas para estabelecer qualquer regra universal”, explica Reyner.
E a Suécia já não é uma superpotência humanitária como era conhecida nos anos 1980, de acordo com o professor.
“Durante a Guerra Fria e por razões geopolíticas, a Suécia era um país neutro, com uma posição intermediária entre o Oriente e o Ocidente, ainda que fosse parte do Ocidente.”
“Acredito que a época da Suécia como uma superpotência humanitária internacional já terminou. Hoje ela faz parte da linha ocidental. Em qualquer negociação de resolução de conflitos, certamente a Suécia será uma potência menor do lado ocidental.”
Mas como a diplomacia nunca foi um processo fácil, nem rápido, será preciso esperar por resultados mais concretos da política externa feminista sueca.
Por enquanto, governos dos Estados Unidos, Alemanha, África do Sul e Colômbia, entre outros, têm se aproximado mais do Ministério de Relações Exteriores da Suécia para conhecer mais detalhes do plano de ação feminista do país.
Acesse no site de origem: Suécia aposta em política externa feminista por ‘mundo melhor’ (Terra, 25/06/2015)