(Agência Patrícia Galvão) Professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás e doutora pela Unicamp, com a tese “Vidas no singular: noções sobre mulheres sós no Brasil contemporâneo”, Eliane Gonçalves critica o preconceito existente na associação que ainda se faz entre os rótulos “mulher não-casada” e “mulher sozinha”, a partir das interpelações e comentários sobre a presidente eleita Dilma Rousseff.
Leia na íntegra o artigo publicado com exclusividade pela Agência Patrícia Galvão:
“Há muitas formas de conhecer como pensam as pessoas numa determinada cultura. Uma delas é por meio das expressões que irrompem espontaneamente nas falas impensadas, não planejadas, não ensaiadas. Ainda respirando o processo eleitoral que deu vitória a Dilma Rousseff, deparei-me, recentemente, com algumas interpelações feitas por profissionais da mídia sobre a condição de solteira da presidente eleita. Vejam, por exemplo, Mônica Waldvogel, no programa “Entre Aspas” da Globo News, José Luiz Datena, no “Brasil Urgente” da Band, e alguns blogueiros de revistas nacionais, como Veja e outras.
Reforçando um clichê altamente disseminado no senso comum, essas interpelações associam o estado civil de “não-casada” (a presidente se autodeclara solteira, mas já foi casada, é mãe e avó) à condição de mulher sozinha. Estar sozinha é não ter um par, um marido. Não adianta argumentar que se têm amigos, filhos, parentes, alunos, animais de estimação, nada. Ser sozinha é um rótulo que se aplica com sucesso àquelas pessoas que, supostamente, “amargam” a condição de não-casadas.
O fenômeno está longe de ser genuinamente brasileiro. Personagens públicas como Condoleezza Rice, ex-secretária de Estado dos EUA, foi alvo de diversos ataques por ser solteira e sem filhos. São variadas as formas de violência contra mulheres, isso já sabemos.
Não bastasse a quebra monumental na convenção polarizada de gênero –que prevê um homem político à frente, assumindo seu lugar público, com uma esposa atrás, como primeira dama, assumindo compromissos fúteis associados ao seu destino privado–, a eleição de uma mulher não-casada suscita imediatamente especulações sobre seu estatuto no presente e seu futuro marital: “A senhora está namorando?”; “A senhora está solteira?”; “E se a presidente arranjar um namorado, como é que fica?”.
Gostaria que a nossa presidenta não caísse nesta armadilha, respondendo a essas invasivas perguntas com outros clichês, como este: “infelizmente, solteira” e “celeremente indo para a terceira idade” (“Solteira, infelizmente” – Veja nas Eleições, 07/04/2010). No imaginário social ainda persistem idéias como essas: pessoas solteiras são infelizes e, se chegam à terceira idade, é melhor aposentar a vida amorosa e sexual.
Não podemos ainda celebrar, ao invés de lamentar, o fato de uma mulher não-casada ter uma vida que valha a pena ser vivida. Nem mesmo sendo presidenta de um país tão vultuoso, com uma carreira política de tamanho sucesso. É impressionante que uma mulher com esta estatura ainda seja medida por esta escala.”
Contato com a autora
Eliane Gonçalves
Professora adjunta de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás
Colaboradora do Grupo Transas do Corpo
Tels.: (62) 3521-1128 / 1100 (UFG) e (62) 3095-2301/04 (Grupo Transas)
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