Católicas abortam. Evangélicas também. Loiras, morenas, negras, pobres, ricas, casadas, adolescentes, aquelas que só tiveram apenas uma relação sexual, as que saem com vários parceiros e as que são mães também e principalmente – a maior parte das mulheres que abortam são casadas e com mais de três filhos. Uma em cada cinco mulheres brasileiras com menos de 40 anos já se submeteu a um aborto, de acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), publicada em 2010. Ou seja, 20% das brasileiras em idade de gestação admitem terem abortado em algum momento da vida. Cerca de metade delas teve que ser internada por conta de complicações, como perfuração no útero.
A descriminalização e legalização da interrupção da gravidez será tema de uma audiência pública na próxima quinta-feira, às 9h, pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), no Senado Federal. Pela terceira vez, legisladores e sociedade discutem a Sugestão Legislativa nº 15, de 2014, que Regula a interrupção voluntária da gravidez, dentro das doze primeiras semanas de gestação, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Representantes de diversas entidades, entre elas a Rede Feminista de Saúde, Instituto Bioética e Católicas pelo Direito de Decidir, irão participar do debate. A sociedade também pode integrar-se à discussão no local ou assistir pela TV Senado.
O tema suscita discussões, as quais tendem a levar para o lado do dogma, da crença e da opinião. “O aborto não é uma questão de opinião e crença, diz respeito ao direito humano da mulher de decidir sobre o seu corpo e poder realizar o procedimento de forma segura pelo SUS. Estamos falando de milhares de mulheres pobres que ficam à mercê de clínicas clandestinas ou recorrem a soluções caseiras como agulhas, remédios sem procedência e chás. No Brasil, a mulher que decide interromper sua gravidez é punida com pena de morte”, afirma Clair Castilhos, secretária executiva da Rede Feminista de Saúde.
A criminalização e o apelo religioso não têm evitado que as mulheres abortem e, muito menos, impedido a morte de muitas delas. Em 2013, mais de 800 mil mulheres recorreram ao aborto clandestino. A Organização Mundial da Saúde (OMS), estima que a cada dois dias uma mulher brasileira morra vítima do aborto ilegal. Entre as situações que levam a mulher a recorrer à prática estão a falta de orientação e educação sexual, o abandono dos companheiros, a falta de condições financeiras ou de preparação para ter um filho e a falha de métodos contraceptivos.
“Ao serem contrários à descriminalização do aborto, os parlamentares religiosos se dizem em favor da vida. Isso é a uma hipocrisia se pensarmos que é a ilegalidade do aborto que mata. Nós sim somos a favor da vida: da vida das mulheres, as quais têm seus direitos garantidos pela Constituição Federal”, afirma Clair.
O Brasil viola tratados internacionais – e a própria Constituição Federal que os incorpora – ao continuar tratando o aborto como crime, enquanto é uma questão de saúde pública e de direitos humanos das mulheres. Caso, por exemplo, do Acordo de Pequim, há 20 anos, segundo o qual as mulheres que abortam devem ser tratadas com humanidade, não como criminosas; e da Conferência de Montevidéu, realizada em 2013, que reuniu países latino-americanos para debater direitos sexuais e reprodutivos, também destacou que a abordagem da criminalização é negativa, porque “traz consequências para a saúde pública extremamente ruins”.
Estabelecido como crime pelo Código Penal, com pena de um a quatro anos de prisão, o aborto é permitido no Brasil em apenas três situações: quando não há outra forma de salvar a vida da gestante; quando a gravidez é decorrente de estupro e a mulher ou representante legal dela opta por interromper a gravidez e em casos de diagnóstico de anencefalia.
A Anistia Internacional declarou recentemente que a criminalização da prática é um problema grave de discriminação socioeconômica no país, onde somente as pobres e negras estão sujeitas a procedimentos inseguros e processo criminal. A forma preconceituosa e o tabu em relação à emergência da descriminalização têm dificultado o acesso da mulher ao serviço, até mesmo nos casos onde o abortamento é considerado legal.
Paula Guimarães