Anistia Internacional pede a descriminalização da prostituição no mundo

11 de agosto, 2015

(O Globo, 11/08/2015) Organização divulga medida em apoio ao comércio sexual consentido, mas outras entidades criticam movimento

Numa reunião em Dublin, na Irlanda, envolvendo representantes da Anistia Internacional baseados em diversos países, a organização humanitária aprovou, nesta terça-feira, uma resolução apoiando a descriminalização da prostituição e de todos os aspectos do comércio sexual, inclusive os agenciadores das garotas de programa.

A proposta chega cercada de questionamentos. Dias antes do anúncio desta terça, um rascunho da medida, ainda em análise, vazou na internet. Foi o bastante para levantar críticas de diferentes grupos, alguns deles liderados por personalidades como as atrizes Meryl Streep e Emma Thompson.

O jornal britânico “The Guardian” chegou a publicar um editorial dizendo que seria um “grave equívoco” o apoio à descriminazação do comércio sexual. E o ex-presidente americano Jimmy Carter aconselhou a Anistia a ser bastante cuidadosa antes de decidir sobre isso.

“A resolução recomenda que a Anistia Internacional desenvolva uma política que apoie a plena descriminalização de todos os aspectos do comércio sexual consentido”, afirmou a organização em um comunicado.

No Brasil, a prostituição é uma atividade reconhecida pelo Ministério do Trabalho, mas a profissão não é regulamentada. Assim, as prostitutas não têm direitos trabalhistas. Além disso, a exploração do comércio sexual é crime no país. Ou seja, é proibido no Brasil ser dono ou gerente de uma casa de prostituição — crime previsto no art. 229 do código penal, com pena de dois a cinco anos de reclusão.

Segundo o diretor de comunicação da Anistia, Thomas Schultz-Jagow, o objetivo da organização é estabelecer um marco jurídico por meio do qual todas as atividades do comércio sexual sejam descriminalizados.

A resolução, por sua vez, também destaca a necessidade de coibir a prostituição infantil, o tráfico de pessoas e, em geral, toda prostituição forçada, pedindo que seja assegurado o direito de profissionais do sexo abandonarem a profissão, caso queiram.

“É um dia histórico para a Anistia Internacional. Não foi uma decisão fácil de tomar e agradecemos a todos nossos membros de todo mundo, assim como os grupos que consultamos”, afirmou o secretário geral da organização, Salil Shetty, por meio de comunicado.

A anistia tomou a decisão a partir do argumento de que “a criminalização do trabalho sexual consentido entre adultos pode resultar em um aumento de violações das trabalhadoras sexuais”. Agora, a entidade fará uma campanha pedindo que prostitutas, clientes e administradores de casas de prostituição (que não obriguem as mulheres a se prostituírem) não sejam perseguidos ou acionados judicialmente. A decisão gerou surpresa em outras entidades engajadas na causa.

A Coalizão contra o Tráfico de Mulheres (CATW) publicou uma carta aberta assinada por atrizes como Kate Winslet e Meryl Streep e outras 8.500 pessoas afirmando que a imagem da Anistia seria “gravemente danificada” por conta dessa resolução. Segundo a CATW, a medida favorece mais os exploradores do que os explorados.

– Não há nenhuma lógica por trás da premissa de que para proteger os explorados tenha que descriminalizar os exploradores. Não faz sentido – afirmou a diretora executiva da CATW, Taina Bien Aime, à agência de notícias “AFP”.

Já a diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, que dirigiu dois documentários sobre o tema, elogiou a iniciativa da Anistia. Segundo ela, trata-se de uma ousada atitude destinada a “tirar um assunto que estava debaixo do tapete”.

– Esse posicionamento entende a prostituição como escolha de trabalho como tantos outros e age diretamente sobre a liberdade da mulher sobre seu próprio corpo – avalia.

Ela espera que a postura da Anistia traga o assunto à tona, numa busca pela promoção dos direitos dessas mulheres.

– Há uma legião de mulheres que está se prostituindo no Brasil, por exemplo, mas condições de trabalho delas não entram na agenda de discussões. A posição da Anistia pode colocar isso em pauta.

A proliferação de leis na Europa sobre prostituição tem mostrado a falta de consenso sobre o tema. Há dois meses, a França se uniu à Suécia, Noruega, Islândia e Reino Unido e passou a aplicar pena aos clientes. Na maioria dos outros países da Europa, a prostituição está regulamentada, caso da Alemanha, Áustria, Holanda, Bélgica.

Acesse o PDF: Anistia Internacional pede a descriminalização da prostituição no mundo (O Globo, 11/08/2015)

 

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