(Folha de S. Paulo, 08/10/2015) O abandono do bebê em Higienópolis e a detenção da sua mãe nesta quarta (7) reacendem o debate sobre o parto anônimo, ou seja, o direito de a mulher doar o filho recém-nascido sem se identificar.
Países como França, Itália, Alemanha e Bélgica adotam a prática que permite que a gestante faça o pré-natal e dê à luz com assistência e entregue o bebê para adoção no hospital de forma anônima.
No Brasil, houve um projeto nesse sentido que tramitou durante três anos na Câmara dos Deputados e acabou sendo arquivado em 2011.
A proposta, de autoria do Instituto Brasileiro de Direito da Família, foi considerada uma violação ao direito de a criança saber da sua origem.
O projeto também foi condenado pelo movimento de mulheres, por colocar essas mães na invisibilidade, sem apontar alternativas de prevenção da gravidez indesejada ou do aborto.
No campo jurídico, o projeto é tido como desnecessário já que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a possibilidade de a mãe entregar o filho à Justiça sem incorrer em crime ou qualquer outro tipo de responsabilidade civil ou criminal.
Controvérsias à parte, o fato é que o abandono de bebês sempre existiu e vai existir. Nesse e em tantos outros casos que ocorrem país afora longe dos holofotes da mídia, fica claro que essas mães não querem maltratar seus filhos.
Do contrário não os deixariam em locais que permitem sua rápida localização, como ocorreu em Higienópolis.
São mulheres pobres, sozinhas, desesperadas. Por que não se precaveram com método anticoncepcional antes? Por que não entregaram o bebê para adoção? Nessas horas, sobram julgamentos morais e faltam sentimentos de empatia e compaixão.
Foi pensando nessas mulheres que dão à luz sozinhas e depois deixam seus bebês nas ruas que a Itália reinventou a “roda dos expostos”, um local seguro em que a mãe pode deixar o bebê e ir embora sem se identificar.
Ao menos três hospitais filantrópicos em Roma e Milão dispõem de berços aquecidos, com vídeo e alarme para avisar da chegada do bebê. Só em Milão são abandonados em média 50 bebês por ano. Muitos são filhos de imigrantes, mas há também bebês italianos, cujas mães preferem doá-los a vê-los passar por necessidades.
O tribunal italiano espera 20 dias para que a mãe se arrependa e reclame o filho, antes de levá-lo para adoção.
No Brasil, a “roda dos enjeitados” funcionou até o fim da década de 1940, principalmente no Rio e em São Paulo. Na Santa Casa de São Paulo, o método existiu de 1825 e 1948. É nesse hospital que está o “bebê de Higienópolis” desde o último domingo.
Como ainda não tem certidão de nascimento, é chamada de “Maria 114”, um nome provisório seguido do protocolo de internação.
Cláudia Collucci
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