A reprodução das desigualdades de gênero e raça nos contos de fadas

28 de outubro, 2015

(Geledés, 28/10/2015) O presente artigo visa trazer alguns elementos para discussão acerca do sexismo e racismo implícitos nos contos de fadas com recorte para as princesas Cinderela e Tiana, haja vista que a primeira é uma personagem clássica conhecida há mais de meio século, contribuindo para imprimir na menina paradigmas de comportamento e beleza. Tiana, a primeira princesa negra dos estúdios Disney é pobre, trabalhadora e passa a maior parte do filme como rã impedindo que as meninas negras se identifiquem com a personagem. Os contos de fadas surgiram há milhares de anos, sendo considerados pelos profissionais de Psicologia, deveras importante para auxiliar na formação da personalidade da criança, bem como para que ela tenha a percepção sobre si e sobre o mundo em que vive. Contudo, esses contos foram paulatinamente sendo modificados para adaptarem-se ao modelo de sociedade de cada período histórico, por conseguinte naturalizando a função de cada indivíduo na sociedade de acordo com sua raça e gênero.

INTRODUÇÃO

A mulher na sociedade capitalista, desde o nascimento, é educada para exercer determinado papel. Conforme Beauvoir (1967, p. 09), “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. A construção da identidade de gênero, já se inicia logo nos primeiros momentos de vida, quando a menina em meio a um a mundo “cor-de-rosa”, passa a ser tratada como a “princesinha do papai”.

Subjetivamente espera-se que essa menina possua todos os atributos que em nossa sociedade são valorizados e idealizados para a mulher: bonita, meiga, atenciosa, gentil, servil, submissa, graciosa, prendada, e de preferência, branca. Em um país como o Brasil, em que a população formada por não brancos, corresponde a 50,7%, segundo dados de 2010 do IBGE, deveria parecer estranho que personagens como Cinderela que há muitas gerações têm imprimido no ideário da menina o paradigma de beleza, fizessem tanto sucesso.

Observa-se que a todo o momento, principalmente nos veículos de comunicação, é reforçado que para ser bonita é necessário ser jovem, magra e branca. Nas revistas destinadas ao público infantil, as princesas loiríssimas são as mais procuradas pelas meninas de todas as raças e condições socioeconômicas. As meninas de cor parda ou negra, dificilmente preferem a princesa Tiana (única protagonista negra das Princesas Disney), essa inclusive é difícil de encontrar, devido a pouca demanda e de ser pouco (re) conhecida pelas crianças.

Se o objetivo dos contos de fadas é desenvolver na criança potencialidades, criatividades e expectativas positivas de um mundo melhor e mais equânime, pode-se questionar então, como a menina negra conseguirá se projetar e se perceber enquanto protagonista de sua vida? E como se sentirá capaz de ter um futuro com todas as possibilidades apresentadas nessas histórias às meninas brancas?

Portanto, esse artigo tentará explanar sucintamente que o racismo e o sexismo são socialmente construídos e os contos de fadas servem como ferramentas para naturalizar essas duas questões que ainda hoje são os principais pilares de desigualdades em nossa sociedade.

1. O patriarcalismo e o racismo servindo aos interesses do sistema capitalista

Analisando o processo histórico da sociedade brasileira, e através de bibliografia pertinente, é correto afirmar que o sistema capitalista não criou as desigualdades que acometem mulheres e negros em sociedades como a nossa. Porém, podemos dizer que esse modo de produção baseado na exploração de uma classe sobre a outra, vem se utilizando dessa ideologia para efetivar-se e fortalecer-se.

O Sistema Capitalista surgiu no período em que os sociólogos e historiadores identificam como Idade Moderna. Teve inicio no século XV, e podemos citar como principais acontecimentos, a expansão marítima para a busca de novos mercados, crescimento das cidades (os burgos), a formação dos Estados e Movimento Renascentista.             Com a crise do sistema feudal, a burguesia foi aos poucos se fortalecendo e após a Revolução Francesa e a Revolução Industrial sob os ideais iluministas consolidou-se definitivamente enquanto classe social dominante.

De acordo com Carmo (2007), o capitalismo é marcado por relações assalariadas de produção. A burguesia detém os meios de produção, e o trabalhador vende sua força de trabalho em troca de um salário, no qual o excedente não pago serve para enriquecer o capitalista.

O Capitalismo, conforme a teoria marxista discutida por Carmo (2007) pode ser comparado a um grande edifício, em que a base é a economia e a superestrutura é formada pelas leis, filosofia, política e cultura. Sendo que essa última é muito importante para os interesses da classe dominante, pois quem domina economicamente, domina ideologicamente.

Desse modo, para servir aos interesses de uma minoria, a sociedade vai delineando os indivíduos e naturalizando situações que foram socialmente construídas como é o caso da questão racial e do sexismo. São inerentes ao capitalismo as desigualdades sociais, pois para que poucos enriqueçam, faz-se necessário que milhões estejam vivendo em extrema pobreza.

A partir do que foi discorrido, em síntese, podemos dizer que a sociedade capitalista, cria mecanismos que tem por objetivo, ajustar a classe trabalhadora a esse modo de produção de forma que ela não perceba e não conteste a exploração que sofre. Assim, a classe que domina economicamente, poderá continuar a usufruir de forma individual das riquezas que foram socialmente produzidas.

  • As Multifaces do Racismo

No Brasil, por muitos anos houve o mito de democracia racial, ou seja, não existiam conflitos entre negros e brancos, todos tinham direitos iguais, e se o negro não crescia socialmente era devido à sua índole de preguiçoso. A política de branqueamento, do início do século XX, tinha por principal objetivo clarear a população brasileira. Quanto mais a pessoa tinha a da pele próxima à cor branca, mais chances ela teria de ascender econômica e socialmente e ser bem aceita na sociedade.

Conforme Guimarães (2012), o “embranquecimento” pode ser entendido como o processo em que os negros, principalmente os intelectuais, foram assimilados à sociedade brasileira. Desde o século XX é propagado o mito de democracia racial, que ainda de acordo com o autor, é a ideologia em que não há embates e diferenças entre brancos e negros e todos têm os mesmos direitos na sociedade.

Mas Saffioti (1987) pontua que se isso ocorresse de fato, as estatísticas não denunciariam que os negros estão na última colocação em acesso a politicas públicas de qualidade e tem os índices de piores salários quando comparados ao branco.

Pode-se compreender essa ideologia quando recorremos ao processo de formação da sociabilidade brasileira e nos deparamos com as condições em que ocorreu a diáspora dos negros africanos. O escravismo no Brasil surgiu para atender a lavoura de cana de açúcar (século XVI), a mineração de metais preciosos (século XVII) e para a plantação de café (século XIX). Porém, seu principal objetivo era obter lucro devido ao alto valor comercial de sua venda.

Gennari (2008) afirma que o negro era violentamente retirado de sua terra natal, separado de seu grupo étnico e familiar, trazido em navios sem a menor condição de sobrevivência e tratado como mercadoria. Ao chegar à colônia, sua identidade e cultura eram suprimidas. Era difundido que “o ato de arrancar o negro de sua terra natal é apresentado com um benefício para ele próprio como caminho para afastá-lo da barbárie e levá-lo á civilização” (GENNARI, 2008 p.27). Além de toda essa perversidade praticada contra o negro, ainda havia a tortura psicológica ao fazê-lo sistematicamente acreditar que de fato ele pertencia a uma raça inferior.

Esse processo de colonização em que a raça dominada era tratada como inferior surgiu a partir de teorias do século XIX, que segundo Guimarães (2012), tratava-se de teorias em que tentavam justificar que existem raças superiores a outras a partir de diferenças biológicas e culturais.

O racismo, segundo o Caderno de Direito a Igualdade idealizado pelo Geledés (2008), é um pensamento, uma ideologia que naturaliza as desigualdades entre raças, pois, afirma que existem de fato grupos étnicos ou raciais que são superiores a outros. Essa teoria veio ao encontro dos interesses de países colonizadores europeus etnocêntricos, ou seja, que acreditavam que era o centro do universo e caberia a eles levar ao mundo sua cultura, pois se julgavam uma raça superior.

Quijano (2011) nos chama a atenção que a Europa reconhece-se como raça superior, apenas no contato com a América que eles chamaram de Novo Mundo. Para ele o eurocentrismo é como um espelho que distorce a imagem refletida em que os colonizados se veem através da imagem dos colonizadores.

A partir do que foi explicitado acima, é fácil compreender o motivo de a população negra estar em situação de vulnerabilidade em várias áreas. O negro que colaborou arduamente para construir essa sociedade, não é valorado. Quando na ocasião da abolição da escravatura, não houve políticas públicas para reinseri-lo na sociedade como um cidadão brasileiro, muito pelo contrário, tentaram apagar de forma muito cruel sua história e sua cultura. Os europeus vieram para substituir a mão de obra escrava, pois havia uma necessidade de branquear a população.

Segundo Cunha (2013), se a sociedade brasileira tivesse um “registro geral”, esse seria de um homem rico, branco, heterossexual e com valores morais judaico-cristãos. Toda cultura que é contrária a esse “registro geral”, não é considerado cultura pela minoria que está no poder.

Por esse motivo é de suma importância um resgate histórico do povo negro e ações afirmativas que possam garantir a esses milhões de brasileiros o acesso aos seus direitos que foram durante séculos cerceados injustamente.

  • Ser mulher: uma construção social

Pesquisas e estudos de teóricos que abordam a temática sobre a questão de gênero apontam que a mulher em nossa sociedade está em posição de inferioridade quando comparada ao homem, sendo considerada naturalmente, o sexo frágil. Entretanto, de acordo com os escritos do filósofo Engels em sua obra – A origem da propriedade privada, a família e a propriedade privada – na história da humanidade, essa situação nem sempre foi assim, pois há milhares de anos durante o período que corresponde a sociedade primitiva, a mulher era tratada com igualdade e tinha liberdade sexual. Engels afirma que até o início do século XIX os estudos sobre a família se limitavam ao modelo patriarcal do Pentateuco ditado por Moisés. Explicita que com o surgimento da sociedade de classes, da propriedade privada e da família nuclear monogâmica, a mulher passa a ser tratada como sexo inferior e propriedade do homem. Nesse contexto, era necessário garantir que as riquezas e a propriedade privada se mantivessem dentro da família consanguínea, assim era exigida a virgindade e a fidelidade da mulher.

Contrapondo a teoria de que a emancipação feminina estaria diretamente relacionada com as lutas de classes, a socióloga Saffioti (1987) analisa criticamente as sociedades socialistas e chega a conclusão que o fim da exploração de classes não acabará com as desigualdades de gênero. Para a autora, as revoluções socialistas ocorridas no século XX, não cristalizaram o fim do sexismo porque as teorias marxistas tinham como objeto de estudo a sociedade capitalista europeia que naquela época era excessivamente racista e androcêntrica.

Destaca ainda que o homem estabeleceu seu domínio sobre a mulher há aproximadamente seis milênios para manter o poder e a direção da sociedade em suas mãos. Pois de acordo com a autora, “o poder é macho, e é branco” (SAFFIOTI, 1987, p. 2).

No que tange às desigualdades de gênero, a autora afirma que a identidade da mulher e do homem é socialmente construída. À mulher cabe a socialização e os cuidados com os filhos e com o lar. “A sociedade investe muito na naturalização deste processo. Isto é, tenta fazer crer que a atribuição do espaço doméstico à mulher decorre de sua capacidade de ser mãe” (SAFFIOTI, 1987, p. 9). Os seres humanos nascem machos ou fêmeas e através da educação transformam-se em homens e mulheres. Assim, “[…] A identidade social é, portanto, socialmente construída”. (SAFFIOTI, 1987, p.10).

Destarte, é propalado que a mulher constitui o sexo frágil, ou o segundo sexo, sendo considerada menos inteligente que os homens, e até aquelas que trabalham exaustivamente na lavoura, executando trabalhos pesados, acreditam nesse mito de inferioridade física e intelectual (SAFFIOTI, 1987).

A filósofa francesa, Beauvoir (1967) em seu clássico, O segundo sexo, também defende que a fêmea ao chegar ao mundo, já o encontra preparado para o papel que deverá exercer nessa sociedade patriarcal. Segundo ela em sua frase celebre, “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. (BEAUVIOR, 1967, p. 9). A autora alerta que a menina é ensinada desde muito cedo como deverá comportar-se. Deverá ser passiva, para ser considerada feminina. Todo o universo da menina é propício para que ela compreenda seu papel na sociedade e a maneira que deverá comportar-se: a família, as amigas, a professora, as brincadeiras, as atividades domésticas, a literatura, as roupas, os acessórios, o comportamento. Enfim, o necessário para que ela entenda o motivo de estar nesse mundo.

Nos livros as grandes maravilhas são realizadas pelo homem. São eles os grandes historiadores, generais, filósofos, imperadores, conquistadores, teóricos, artistas, heróis. Nos livros de histórias, poucas mulheres aparecem como heroínas, e mesmo quando são citadas, estão sempre à sombra de algum homem. Sendo assim, ainda conforme a autora, a mulher aprende que somente será feliz se for amada e aguardar o amor. Personagens como Cinderela, Branca de Neve, e até as santas martirizadas ensinam à menina que elas deverão passivamente esperar a felicidade e a salvação.

Mas, se a mulher e negro são categorias que sofrem discriminação nessa sociedade de ideologia patriarcal e racista, a mulher negra é duplamente estigmatizada: por gênero e raça.

O sociólogo Aguiar (2007) trabalha com a construção de hierarquias sociais para demonstrar essas desigualdades intrínsecas ao capitalismo. Para esse autor, a mulher negra está na última posição nessa hierarquia, uma vez que além da subalternidade ligada ao gênero, há ainda a discriminação historicamente construída em relação a sua condição étnico-racial.

Destarte, de acordo com pesquisas a mulher negra ocupa as piores funções na sociedade e consequentemente tem os piores índices de salários. Geralmente ela é relacionada com serviços que remetem a subalternidade como empregada doméstica ou babá, ou tem sua imagem ligada a sensualidade. Esses são estereótipos historicamente construídos desde sua condição de escrava no período de colonização e que até hoje a sociedade reproduz, dificultando à essas mulheres sua emancipação e empoderamento.

Considerando todo o arcabouço teórico acima apresentado, Saffioti (1987) é trazida novamente para a discussão da desnaturalização do processo de subalternidade da mulher. Em que afirma que não é possível acabar com as desigualdades existentes nessa sociedade apenas reduzindo essa problemática ao âmbito das classes sociais. Há necessidade de debates que evidenciem as diferenças que sofrem as mulheres, particularmente a mulher negra nessa sociedade patriarcal e racista principalmente que possibilitem a seguinte reflexão: “Se foram socialmente construídas, podem ser, também, socialmente destruídas, com vistas à instauração da verdadeira Democracia” (SAFFIOTI, 1987, p. 117).

2. O conservadorismo expresso nos contos de fadas

Os contos de fadas são imprescindíveis para o desenvolvimento do ser humano, especialmente na idade que marca a infância. Identificar quando historicamente surgiram os contos infantis não se sabe ao certo, mas há centenas de anos que são passados de geração em geração.

A psicoterapeuta, Estés que trabalha com contos de fadas para tratar patologias psicológicas, afirma que, “os contos de fadas, os mitos e as histórias proporcionam uma compreensão que aguça nosso olhar para que possamos escolher o caminho deixado pela natureza”. (1994, p. 9).

A autora destaca que eles foram com o tempo sendo deturpados para servir aos interesses da classe dominante. Um exemplo segundo ela é dos irmãos alemães Grimm do século XVIII que viajavam pelo mundo coletando contos de fadas, mas há uma teoria afirmando que esses contos foram “purificados” devido à formação dos irmãos religiosos.

Com a massificação da cultura, no século XX, o estadunidense Walt Disney adaptou para o cinema várias histórias dos irmãos Grimm e do escritor francês do século XVII, Charles Perrault que era considerado o pai dos contos infantis.      Dentre essas histórias, destacamos Cinderela que foi lançado em 1950, após o sucesso de Branca de Neve e os Sete Anões pelos estúdios Disney.

Narra a história de uma jovem órfã que sofre todas as crueldades da madrasta e de suas filhas. Apesar da vida extremamente difícil, já que vive praticamente em servidão, Cinderela é gentil e resignada, até que surge a oportunidade de mudar sua vida ao ser convidada para o baile de gala. Depois de muitos contratempos e maldades da madrasta, Cinderela consegue ter um final feliz tão almejado ao lado de seu príncipe.

Ao compararmos com Tiana, do filme, A princesa e o sapo, que é uma garota pobre, negra que vive na cidade de Nova Orleans, o berço do jazz, na década de 1920, observa-se que no desenrolar da história essa protagonista enfrenta situações muito perversas. Seu maior sonho é ter um restaurante e para isso, seguindo os conselhos do seu pai, trabalha incansavelmente para conseguir seu objetivo. Quando aparece um príncipe e esse é transformado em sapo por um mago, tem a oportunidade de realizar seu sonho, ao beijar o príncipe transmorfoseado. Porém, por ela não ser uma princesa, também se transforma em rã e os dois juntos têm que encontrar o antídoto para quebrar o feitiço. No final ela se casa com o príncipe e consegue ter o seu restaurante.

É relevante ressaltar que, pelo fato dessa protagonista tornar-se e permanecer como rã em muitos minutos no filme, impede com que as meninas adquiram um reconhecimento com a personagem, que diferentemente das heroínas tradicionais dos desenhos Disney são dóceis, gentis e sempre lindas, mesmo que trabalhando na cozinha ou escondida na floresta.

Além disso, torna-se pertinente destacar a abordagem de Paulo Pachá (2013), em que faz uma crítica ao processo de trabalho nas histórias de princesas da Walt Disney, que segundo ele, faz apologia à subalternidade da mulher, ou seja, a maioria das personagens desses contos desempenha alguma atividade doméstica nas histórias reproduzindo, dessa forma, o papel que a mulher deve desempenhar na sociedade.

As psicólogas Belarmina, Borges e Magalhães (2010), em pesquisa sobre princesas brancas dos contos de fadas e a mulher negra da vida real, chamam a atenção ao fato de que há um racismo subliminar no conto da Cinderela, uma vez que enquanto ela era a gata borralheira, seu rosto era coberto de cinzas, na medida em que se apresenta no baile ao príncipe, sua pele fica branca, ou seja, a branquitude é sinônimo de nobreza.

Sendo assim, parece importante refletir sobre a posição da princesa negra, Tiana. Essa, aliás, mesmo casando-se com o príncipe continua tendo que trabalhar em seu restaurante, uma vez que o príncipe está financeiramente falido. No enredo ela é pobre e desempenha vários trabalhos, dentre eles como empregada doméstica em uma casa de família branca e rica denotando e reproduzindo hierarquia racial.

Os filmes que retratam contos de fadas exercem um fascínio nas meninas de todas as idades e podem influenciar em sua formação. De acordo com Buena (2012) no cinema e na literatura, a imagem de princesa está relacionada a beleza e glamour. Apesar do contexto histórico dos dois grupos serem bem diferentes, pois Cinderela foi produzida anterior ao movimento feminista e Tiana ser do terceiro milênio, ambas continuam a reproduzir algumas características que, segundo Pachá (2013), dão continuidades a alguns estereótipos, como por exemplo, que a mulher só será feliz se tiver como companheiro um príncipe que a salve.

Portanto observa-se que os contos de fadas, tendo como recorte as histórias de Princesas Disney, reproduzem e naturalizam as desigualdades de gênero e raça, reforçando o papel social e hierárquico, que essa sociedade fundada nas desigualdades sociais e exploração de classes, esperam que a mulher, particularmente, a mulher negra desempenhe. Assim, essas histórias tornam-se um poderoso elemento nas mãos da classe dominante, que parafraseando Saffioti (1987), é formada pelo grupo que há milhares de anos vêm mantendo-se no poder: o macho branco.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que foi analisado, é possível compreender que filmes de contos infantis servem aos interesses do capitalismo, pois reproduzem expressões de racismo e sexismo em nossa sociedade. Sem a pretensão neste artigo de apresentar somente os aspectos negativos dos contos de fadas, pois entendemos que estes são muito importantes para o desenvolvimento das crianças e também de adultos, dependendo do contexto e do debate que se dará após a apresentação da história.

Os contos de fadas poderão tornar-se uma ferramenta para exprimir e transmitir valores, pois se desenhos disseminam desigualdades, podem servir para tornar as crianças de hoje, em futuros adultos críticos e propositivos, desde que seja explicado pedagogicamente o racismo, o machismo e outras situações negativas que possam aparecer nessas histórias e promovam estigmas negativos.

Ademais, a sociedade só será transformada, a partir de uma educação de qualidade, que permita com que a menina negra perceba-se como protagonista de sua história e entenda que identidade de gênero e racismo são elementos socialmente construídos, e dentro de determinado contexto sócio histórico também poderão ser superados e erradicados e ela poderá ocupar todos os espaços da sociedade que sempre lhes foram negados. A partir daí poderá exigir a criação de princesas mais plurais que de fato a represente.

Simone Aparecida Jorge e Rosana Alves de Sousa Silva

Acesse no site de origem: A reprodução das desigualdades de gênero e raça nos contos de fadas (Geledés, 28/10/2015)

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