(Géssica Brandino/ Agência Patrícia Galvão, 26/11/2015) Apesar do aumento da presença feminina no ensino superior, as mulheres ainda não estão nas carreiras de maior prestígio, ganham menos e convivem com a discriminação e o assédio no ambiente de trabalho, em que a presença masculina é majoritária.
“É um desafio para o país trazer as mulheres para as áreas de ciência e tecnologia”, avalia a pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, Maria Rosa Lombardi, durante o painel Pequim+20: Promover o acesso das mulheres a empregos de qualidade em contexto de crise econômica, promovido pelo Instituto Patrícia Galvão, ONU Mulheres e Fundação Ford no dia 22 de outubro, em São Paulo.
Mulheres avançam na educação
Segundo o Censo do Ensino Superior do Ministério da Educação houve aumento nos anos de estudo das mulheres, entre 2000 e 2008, que passaram de 49% para 55% de doutores, de 52% para 58% de mestres e eram 60% dos graduados e estudantes. Dados do Censo do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq referente a 2008 apontam ainda que as mulheres respondem por 49% do conjunto de pesquisadores científicos do país e por 27% na pesquisa de engenharia, principalmente na área de química (43,9%). “Podemos dizer que houve uma feminilização da pesquisa cientifica no Brasil. Porém, quando olhamos por área de conhecimentos, veremos uma divisão”, afirma Maria Rosa.
A progressão das mulheres na área de engenharia é lenta. Segundo as Relações Anuais de Informações (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego, as engenheiras representavam 14,6% dos profissionais em 2003. Em 2013, a presença chegava a 17,7%. No mesmo ano, a participação das mulheres em carreiras jurídicas chegou a 50,6% e na medicina 44,4%.
Mas barreiras ainda persistem em várias áreas
Além disso, a especialista aponta para a segregação das mulheres em determinados campos de conhecimento nas engenharias. “É um mundo onde internamente as divisões sexuais do trabalho se reproduzem e se recompõem. Na última década se reproduz a segregação das mulheres na profissão. Seja pela dificuldade de obter salários iguais ou ascender em postos públicos, seja pelo padrão de comportamento e práticas machistas”, explica, citando o exemplo da engenharia de alimentos, um curso feminizado, enquanto na mecatrônica a presença de mulheres é reduzida.
De acordo com a Rais 2013 do Ministério do Trabalho e Emprego, a parcela de homens engenheiros que ganhavam acima de 10 salários mínimos era de 56,6 % e a de mulheres, 43,2%.
Além da diferença nos altos cargos, também existe o desafio de saber como tratar os profissionais que trabalham como pessoas jurídicas. “Há várias questões envolvidas, a contratual e jurídica, mas há também a questão das jornadas de trabalho, que não são fixas e que invadem o espaço doméstico. Como captar as horas de trabalho dessas pessoas que estão disponíveis para a empresa via tablet, internet?”, reforça.
Assédio no trabalho
Apesar das diferenças salariais permanecerem, Maria Rosa considera que o principal problema enfrentado pelas mulheres é a violência. Ao pesquisar o ramo da construção civil, ela alega ter se deparado com uma galeria de horrores. “Se temos que avançar em algum lugar seria nos ambientes de trabalho. O assédio moral e o de gênero são muito gritantes. Essas práticas impedem também o ingresso de uma parte da população que poderia se interessar pelas áreas tecnológicas e cientificas, o que é uma perda muito grande.”
Para reverter tal cenário, a especialista sugere ações integradas e lembra que empresas multinacionais europeias já implantaram programas de valorização das mulheres engenheiras no continente. “Acho que um desafio é trabalhar com o Estado, empresas e trabalhadores para trazer maior igualdade e equidade de gênero aos locais de trabalho”, destaca.
Essa mudança, acrescenta, também começa a aparecer na medida em que os filhos e familiares começam a entrar na mesma área de trabalho. “São os pais, os tios daquela moça que vão passar a conviver com ela. Há uma perspectiva de mudança nas relações.”
Programas de transferência de renda
Professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Mani Tebet falou sobre o papel das mulheres como titulares do Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do país. A especialista pesquisou a realidade das beneficiárias na cidade de Camboraí, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo Mani, as mulheres que recebem o benefício são, em sua maioria, negras e pardas e algumas sofrem com o racismo e a discriminação de gênero no setor de cadastramento do benefício.
Mani frisa a necessidade de promover o empoderamento dessas mulheres por meio de uma oferta maior de cursos de capacitação e da Educação de Jovens e Adultos (EJA), buscar formas de repensar a divisão das tarefas dentro de casa e também promover a ampliação do acesso à creche.