(Luciana Araújo/Agência Patrícia Gavão, 07/12/2015) Na mesma semana da Marcha das Mulheres Negras, lideranças femininas indígenas foram a Brasília para manifestações contra projetos que tramitam no Congresso Nacional e atacam direitos dos povos originários. A necessidade de fortalecer o enfrentamento aos racismos ambiental e institucional associou negras e indígenas nas ações contra a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 215/2000 (PEC 215) e na participação na marcha contra o racismo, o machismo e a violência e pelo bem-viver.
A PEC 215 transfere da União para o Congresso Nacional a competência exclusiva para aprovar demarcações de terras indígenas e ratificar as demarcações já homologadas, além de dificultar a instituição de novas unidades de conservação ambiental.
“Mesmo hoje [a demarcação] sendo responsabilidade do Executivo, temos uma dificuldade imensa em conseguir avançar com a regularização dos territórios. É muito lento esse processo. Se essa responsabilidade passar ao Congresso Nacional não vamos mais conseguir demarcar terra nenhuma, porque isso é totalmente contrário aos interesses dos parlamentares. O que eles querem é impedir as demarcações e facilitar o acesso deles à exploração desses territórios”, alertou Sônia Guajajara. A líder da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) falou durante reunião com a subsecretária geral da Organização das Nações Unidas e diretora executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo Ngcuka.
“Quando lutamos pelo direito, não é só pelo direito constitucional, mas também pelo nosso direito à vida, nossa continuidade”, ressaltou Sônia. A liderança também chamou a atenção para o fato de que a redução dos territórios dos povos originários e tradicionais vai na contramão do debate sobre a necessidade de reduzir os efeitos das mudanças climáticas e o aquecimento global.
O projeto do novo marco regulatório da mineração no país, que disponibiliza terras indígenas para exploração comercial, também foi denunciado pelas lideranças indígenas, que criticaram ainda a possibilidade de que a ruptura da barragem administrada pelo consórcio Samarco/Vale em Minas Gerais seja classificada como desastre natural.
Luta por direitos estimula superação do machismo
Uma delegação de mulheres da região do Xingu participava das mobilizações indígenas e esteve presente na reunião com Phumzile. “Não foi fácil estar aqui. O machismo dentro das aldeias é muito forte. Tivemos que passar por muitas coisas para estar aqui no meio deles”, ressaltou Watatakalu Yawalapiti, da etnia Yawalapiti e liderança da Associação Yamurikumã das Mulheres Xinguanas.
“As mulheres estão se empenhando e se esforçando muito, passando por cima até de regras culturais, para garantir os direitos já conquistados, porque estamos correndo o risco de perder até o que já conquistamos”, reiterou Sônia.
Direitos sociais e tradições culturais
Durante a reunião com a subsecretária geral das Nações Unidas e diretora executiva da ONU Mulheres, as indígenas também questionaram a incompreensão cultural sobre sua realidade.
“O governo e os deputados querem nos impor uma coisa que não queremos. Os políticos falam que o índio precisa avançar, que vive precariamente, mas não é verdade. Não passamos fome, temos nossa farmácia natural”, diz Watatakalu, que critica o fato de que o governo acha errado que vivam em ocas e que comer beiju é passar fome. “Mas a gente não quer comer veneno. Nossas crianças não estão desnutridas. Querem enviar essa coisa de Luz para Todos às aldeias, mas não queremos. Querem dar cesta básica para o nosso povo, mas não queremos. Queremos respeito, nossas florestas de pé, nossos direitos”, afirmou Watatakalu.
A subsecretária geral da ONU reafirmou que o uso da terra e dos recursos aquíferos e minerais são parte do debate sobre as metas climáticas e um elemento social e culturalmente estruturante para as populações indígenas. E destacou as responsabilidades jurídicas do Estado brasileiro perante o sistema das Nações Unidas e os acordos internacionais firmados em relação à preservação do meio ambiente.