(Folha de S. Paulo, 27/11/2015) Reinaldo Moraes,
Li a sua coluna na Folha (6/11), publicada por gentileza da Tati Bernardi, que lhe cedeu seu espaço semanal. Gostei da ideia de chamar um homem para escrever na semana em que eles ofereceram espaço às mulheres, já que não acho que todos os homens são iguais.
Mas você errou a mão. Caymmi teria hoje 101 anos e qualquer resposta que se possa encontrar em seus belos versos não tem mais nenhuma serventia.
O assédio que dá nos nervos da maioria das mulheres –e não só das feministas– não existe em Berlim, pelo seu próprio relato. Lá, uma mulher pode sair usando o shortinho que você –ironicamente, espero– chama de “me-fode-papito” e escolher livremente o seu parceiro, alguém que não esteja totalmente absorvido em seu próprio desejo e seja capaz de reconhecer reciprocidade.
Mas o xis da questão aparece quando você escreve: “O que leva um homem a sentir tesão por uma mulher acuada, tremendo de medo dele, é algo que me ultrapassa”.
Concordo plenamente, realmente a questão te ultrapassa e passa reto se perdendo na estrada, já que homem algum estupra uma mulher por tesão. Estupra, bate e assedia para provar e comprovar seu poder sobre essa metade da humanidade da qual faço parte.
É simples assim, não tem absolutamente nada a ver com tesão e tudo a ver com dominação. Tanto que, quando brocha –o que nem é tão raro– a reação mais comum de um violador é abusar de sua vítima de qualquer outra maneira, já que não conseguiu provar a sua superioridade e intimidar por meio de seu pênis transformado em arma de ataque.
Ele quer subjugar e vencer; prazer sexual passa longe disso, se bem que possam existir maníacos por aí que sintam mesmo tesão por mulheres acuadas em desespero. Mas, creia-me, não é a norma.
Basta ver a história da humanidade e suas guerras para entender isso. O estupro sempre esteve presente em todas elas, desde as de expansão do Império Romano, passando pelas invasões bárbaras e atravessando as duas grandes guerras mundiais (você deve saber da violação em massa das mulheres alemãs pelos soldados soviéticos, não?), isso para ficar só na história que nos é mais familiar.
E a tática segue a mesma, vide as guerras contemporâneas no continente africano e o tal Estado Islâmico. Não estou falando aqui de uma guerra entre homens e mulheres, mas de uma disputa de poder, que é o que acontece fora das guerras. É menos evidente, mas nem por isso menos real.
E será que somos todas vítimas de “caras de juízo patologicamente mexido”, que é como você descreve os assediadores e estupradores? Infelizmente, a patologia aqui é social, política e econômica, nada tem a ver com miolos moles.
É evidente que um violador, assim como um assediador, pode nem ter noção do que está por trás do ato que comete, mas ele acha, com certeza, que tem direito adquirido sobre o corpo que invade. Mas não tem, nunca teve.
Homens não assediam e violam porque têm tesão ou são malucos. Simplesmente eles querem garantir e reforçar a posse da parte do latifúndio que controlam. Estamos mais do que fartas dos sete palmos de terra que nos coube até hoje: queremos meio a meio, em tudo.
É pedir muito? Que seja, mas assim é que vai ser.
Tetê Vascolcellos, 67, é socióloga, roteirista e cineasta
Acesse o PDF: Não existe fiu-fiu não opressor, por Tetê Vasconcellos (Folha de S. Paulo, 27/11/2015)