(SEPPIR, 29/01/2016) O encontro reuniu representantes do governo federal, das universidades e dos movimentos sociais para discutir mecanismos para criar uma comissão de verificação.
O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça realizou, na última quarta-feira (27), um debate sobre a aplicabilidade da Lei de Cotas nos concursos públicos. O órgão, que está com um processo seletivo em andamento, reuniu representantes do governo federal, das universidades e dos movimentos sociais para discutir mecanismos para criar uma comissão de verificação, utilizada para averiguar a veracidade da autodeclaração apresentada por candidatos pretos e pardos. A comissão será criada pelo Depen por orientação do Ministério Público do Distrito Federal, após denúncia de fraude no concurso.
A secretária de Políticas Afirmativas da Seppir, Luciana Ramos, participou do debate e destacou que as fraudes ocorrem em número pouco expressivo, portanto, não inviabilizam a seleção, tampouco comprometem o potencial das políticas afirmativas, que têm um papel fundamental na redução das desigualdades. Ela lembrou que a posição da Seppir é de conjugar a autodeclaração com a Comissão de Verificação, mas que cada órgão responsável pelo concurso tem autonomia para construir os mecanismos de fiscalização a partir de suas características e especificidades.
A secretária destacou que desde a aprovação da Lei já foram lançados 108 editais com a reserva de vagas, viabilizando o ingresso de 1.296 pessoas negras no serviço público federal e municipal.
O professor Valter Silvério, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ressaltou que todos os prognósticos negativos em relação às ações afirmativas foram superados, tornando essas políticas irreversíveis. Por outro lado, disse ele, “não existe um normativo específico para essa seleção, o que reflete o quanto o assunto ainda é delicado”. De acordo com o professor, o que ocorre hoje em relação às cotas é um processo de desconstrução dessas iniciativas, sobretudo pela mídia, com o objetivo de desestabilizar a opinião pública. “A discussão daqui para a frente é política e mexe com o imaginário social brasileiro. São políticas que apontam para uma ocupação de posição do negro em instâncias decisórias e, obviamente, as posições racistas estão presentes nesse debate”. O professor e pesquisador disse, ainda, que esse tipo de fraude, que leva uma pessoa branca a se autodeclarar preta ou parda para ocupar uma vaga destinada a uma pessoa negra deveria ser analisada sob o ponto de vista sociológico. “É preciso considerar que a autodeclaração ou auto-atribuição está ligada não à identidade, mas à identificação, ao pertencimento”.
Também presente no debate, o presidente do Instituto Luiz Gama, Silvio Luiz de Almeida, compartilhou com os demais suas experiências como membro de uma comissão de verificação, destacando que a definição de quem é negro e branco no Brasil se dá sob um prisma social. ” No nosso país ser branco ainda significa ter acesso a direitos que foram e continuam sendo negados aos negros”, disse ele, ao defender o sistema de cotas como exemplo das políticas afirmativas. “Não podemos permitir que haja a desmoralização de uma política pública tão importante, construída com a árdua luta do movimento negro e de outros movimentos sociais. Por isso precisamos buscar alternativas que reduzam os equívocos, do ponto de vista jurídico e administrativo”.
O diretor executivo do Depen, Rodrigo Romeiro, explicou que o órgão optou pelo encontro com a intenção de levantar todas as contribuições possíveis para subsidiar os critérios que serão utilizados por sua comissão de verificação. O objetivo é diminuir as chances de fraudes, evitando ações judiciais e constrangimento aos candidatos. O concurso do Depen encontra-se em andamento e a seleção final deve acontecer no próximo mês de março.
Constitucionalidade da Lei – A Lei 12.990/2014 vem gerando controvérsias judiciais, levando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a entrar com uma ação declaratória de constitucionalidade, no último dia 26 de novembro, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O entendimento da Seppir, corroborado pela OAB na ação, é de que o STF já se manifestou pela constitucionalidade da Lei quando decidiu favoravelmente pelo ingresso de cotistas em universidades públicas. A decisão, à época, não se referia especificamente às cotas universitárias, mas à constitucionalidade da ação afirmativa.
Durante a votação, o ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo, afirmou que a política de reserva de vagas não é estranha à Constituição Federal e não se reduz às situações textualmente mencionadas na Carta Magna, tais como a reserva de vagas para deficientes físicos ou para as mulheres.
O ministro ressaltou, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades anteriores, admitiu a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa, compreendendo-as como medidas que têm como escopo “reparar ou compensar os fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica”.
Considerando que as políticas de ações afirmativas vêm sendo debatidas com frequência no Brasil e possuem amplo respaldo jurídico, e que elas partem do conceito de equidade expresso na Constituição Federal, que significa tratar os desiguais de forma desigual para produzir, no futuro, a igualdade real, a Seppir compreende que a Lei n° 12.990/2014 trata-se de uma ação afirmativa constitucional, que visa reparar a desigualdade existente entre negros e brancos no serviço público brasileiro, cumprindo assim o dever do Estado de promover a igualdade.
A secretária Luciana Ramos lembrou que a Lei, que prevê a reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais para pretos e pardos, foi criada após diversos estudos que comprovam a discrepância no percentual de servidores negros federais (30% de negros e 76% brancos), diferença grande em comparação à população total do país, que é majoritariamente negra. O objetivo, disse ela, é corrigir essa diferença, possibilitando que o serviço público represente de maneira fiel a população brasileira.
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