(Jornal de Hoje, 19/02/2016) A mãe como cuidadora abnegada, o pai como provedor incansável, estes estereótipos arcaicos e conservadores, alicerces de um modelo de família – em que o afeto paterno se fez tabu, parecem orientar a reação de parte do empresariado cearense à ampliação da licença paternidade aprovada pelo Senado Federal, no último dia 3 de fevereiro. Que pode fazer um pai por um filho recém-nascido que não seja trabalhar para prover-lhe o sustento? Foi a questão levada a público.
Nascer, observou Freud, é uma experiência de desamparo, para a qual a carinhosa recepção familiar é condição indispensável. Estudos nos campos da Psicologia e da Pediatria evidenciam que dispor do afeto e da presença dos pais nos primeiros dias é primordial para o desenvolvimento da criança, para que se sinta segura e amparada num mundo que lhe é tão novo e tão hostil.
Em verdade, é esta vivência que faz de bebês, mulheres e homens, de fato filhos, mães e pais. O desconhecimento disso, porém, não me parece ser a motivação dos que bradam contra dar aos pais trabalhadores mais tempo junto aos filhos. Como senhores do capital que são, os vejo menos ignorantes e mais preocupados com o custo político e financeiro da coisa.
O machismo se reinventa a partir da luta de classes, na qual ao patrão interessa dispor o máximo possível da força de trabalho que explora e ao trabalhador importa ser mais que mão de obra, urge humanizar-se. O empresário vê na conquista de maior proteção do Estado ao trabalhador uma inequívoca ameaça ao seu sistema de dominação; por isso, busca, agora, reforçar o papel da mulher e diminuir o do homem no cuidado infantil.
A história nos ensina que nenhum direito dos trabalhadores foi conquistado sem protestos e achaques das elites, que o digam as mulheres, ainda hoje “orientadas” a evitarem a gravidez, sob pena de demissão, ao retornarem da licença maternidade, um abuso que precisa ser coibido, antes que o apliquem também aos homens.
Américo Souza é historiador e professor da Unilab
Acesse no site de origem: Mãe cria, pai sustenta, ou o machismo como questão de classe, por Américo Souza (Jornal de Hoje, 19/02/2016)