(O Globo) A teóloga Judith Vázquez e Lol Kin Castañeda, psicóloga e especialista em estudos da mulher e elaboração de políticas públicas contra a desigualdade, foram o primeiro casal lésbico a se casar legalmente na cidade do México, a primeira da América Latina a r a união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Lol conseguiu também que o Instituto Mexicano de Seguridade Social (IMSS) reconhecesse Judith como sua cônjuge e beneficiária. O próximo desafio, elas dizem, é estender esse direito ao resto do país, que tem resistido em seguir o exemplo da capital mexicana.
Leia a seguir trechos da entrevista exclusiva publicado pelo Globo:
“Globo: O que tornou possível a aprovação de uma lei dessa magnitude em uma sociedade conservadora como a mexicana?
Lol Kin Castañeda: Foi produto da coesão de organizações da sociedade civil. Havia um momento de consenso. Quando nos conhecemos, há dez anos, Judith coordenava um grupo da Pastoral da Diversidade Sexual, eu trabalhava como assessora legislativa. Começamos a coincidir em festas, passeatas e reuniões e acabamos nos apaixonando. A partir daí passamos a participar como voluntárias na marcha do Orgulho Gay, agitar essa agenda e a nos envolver com a causa. A coisa ficou mais intensa a partir de 2007. Em abril assinamos nossa sociedade de convivência (aprovada na Cidade do México naquele ano, estabelecia um vínculo de ajuda e cooperação mútua a homossexuais ou héteros que decidissem viver sob o mesmo teto). Começamos a trabalhar junto aos legisladores e realizar fóruns, discussões e jornadas culturais contra a homofobia.
Em 2009, fui convidada a ser candidata a deputada pelo político David Razú (impulsor da lei sobre o casamento homossexual), na época presidente do Partido Social Democrata (PSD) no Distrito Federal. Apoiada pelas organizações civis, aceitamos participar em troca de que elaborássemos uma agenda de direitos que fosse incorporada às propostas do partido. Quem ganhasse, teria que defendê-la.
O único que terminou eleito foi David. Retomamos o acordo em setembro daquele ano e lembramos a ele os temas pendentes, que incluía r a figura do casamento homossexual e do concubinato, e ele respeitou o combinado. Dividimos o trabalho. Ele fazia todos os acordos parlamentários com a bancada de esquerda. Nós convocamos as organizações para construir uma argumentação e fornecer informações aos partidos políticos na assembleia. Conseguir fazer passar em três meses (a medida foi aprovada em dezembro) e com esse alcance e reconhecimento de direitos humanos uma reforma legisltiva que permite o casamento no Distrito Federal, na capital guadalupana, em um dos berços do machismo, com toda essa violência e discriminação, não foi nada simples. Conseguimos reunir até 170 organizações civis que respaldavam a iniciativa.
Globo: Por que não se dão medidas similares no resto do país? A Cidade do México acaba isolada.
Lol: Primeiro tem a ver com os movimentos sociais, que nos outros estados não estão tão articulados e fortes como na capital, ou conscientes da importância que têm. E é a partir desses movimentos que se pode comprometer um partido politico ou um representante cidadão, deputado, senador, o que for. Também há a apatia social, aqueles que não se propõem a lutar por alguma mudança por não se sentirem identificados com essa problemática, aí deixam tudo nas mãos dos deputados.
Judith: Isso também tem a ver com o fato de que somos muitos mais habitantes aqui. Então o conservadorismo existe em alguns setores, mas não em todos eles. Os movimentos sociais estão muito presentes.
Globo: Estão otimistas de que a população do resto do país se abra mais a propostas desse tipo?
Lol: Antes a oposição dizia que a lei do casamento homossexual iria promover a homofobia no país. Não é verdade, tanto que estados conservadores como Jalisco e Querétaro começaram a discutir figuras que ampliam os direitos dos casais homossexuais com as sociedades de convivência. San Luis Potosí, Morelos e Quintana Roo analisam o casamento, e logo deve começar essa discussão na Baja California Sur, além de estar pendente em Oaxaca, em Puebla… Do ponto de vista legislativo, há avanços.
Judith: Não temos por que ter medo à igualdade, àquele que pensa ou age de maneira diferente. Nao há por que se ter medo de alguém com uma identidade diferente à nossa. É preciso articular e viver com essas diferenças. Por que existe casamento entre pessoas do mesmo sexo nao significa que a Cidade do México vai deixar de ser o que era, mas se trata de abrir o leque e integrar uma parte da sociedade a um grupo mais amplo, com todos nesse direito consagrado pelo Estado.”
eia a entrevista na íntegra: Primeiras lésbicas a se casarem no México querem estender direito a todo o país (O Globo – 22/01/2011)