(O Globo, 04/03/2016) Promessa do governo federal era de R$ 1,97 bilhão e não foram liberados R$ 460 milhões
No ano passado, em que os brasileiros vivenciaram o aumento progressivo do número de casos de zika, o governo federal prometeu repartir entre estados e municípios R$ 1,97 bilhão, verba do Ministério da Saúde destinada a ações de vigilância sanitária para controle de doenças, como as transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti. Boa parte desse dinheiro, entretanto, sequer foi empregada: 23% do total, ou R$ 460 milhões, não saíram dos cofres da União. O montante efetivamente liberado, 77%, foi o menor percentual desde 2008, quando esse tipo de ajuda começou a aparecer no orçamento anual. Além da dengue, os recursos podem ser usados para financiar o combate a outras doenças.
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Há oito anos, o valor previsto para o “Incentivo financeiro aos estados, distrito federal e municípios para vigilância em saúde” era muito mais baixo: R$ 910 milhões. Mas 86% do orçado naquela ocasião foram executados. Aos poucos, tanto os valores previstos pelo governo federal quanto o percentual repassado foram crescendo, até atingirem seu ápice em 2013, quando, de R$ 1,89 bilhão previstos, R$ 1,86 bilhão foram gastos (98%). Em 2015, apesar de o orçamento divulgado pelo governo ter sido o maior desde 2008 (R$ 1,97 bilhão), o valor repassado a cidades e estados foi o menor dos últimos dois anos: R$ 1,51 bilhão. Para este ano, segundo o Ministério da Saúde, a previsão é que R$ 1,87 bilhão sejam transferidos.
Os números foram compilados num estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio). Por meio de nota, o Ministério da Saúde afirmou que, “ao contrário do que induz a análise apresentada, próximo de 100% dos recursos liberados para o enfrentamento ao Aedes aegypti foram executados pela pasta”. O órgão informou que vem mantendo um orçamento crescente para o combate ao mosquito. Nos últimos cinco anos, acrescenta, houve uma alta de 72% na verba. “Os valores destinados às secretarias de Saúde passaram de R$ 787,6 milhões, em 2008, para R$ 1,4 bilhão, em 2015”, conclui.
Menos recursos para estados com mais casos
Apesar de, em 2015, o país ter sido assolado por uma crise econômica, que acarretou cortes em vários ministérios, os pesquisadores não sabem precisar o motivo de o percentual de execução ter sido mais baixo que a média. Para Marco Aurélio Ruediger, diretor da DAPP e coordenador do estudo, a execução do ano de 2015 foi “totalmente atípica”:
— Quem olhar o gráfico vai ver que é atípico, e isso é extremamente complicado. Ou a aderência de estados diminuiu ou houve alguma mudança em relação aos repasses. O que nós vemos é um descolamento de uma tendência histórica. Houve uma questão ali, e é importante que isso seja esclarecido. Certamente tem impacto no que estamos vivendo hoje.
A “aderência” mencionada por Ruediger se refere à aptidão de estados e municípios para receber repasses adicionais, além dos mínimos previstos na rubrica orçamentária. Todos eles têm direito aos recursos, com um piso calculado com base na população. Para que ganhem mais dinheiro, municípios e estados devem implantar programas de incentivo a “ações e serviços públicos estratégicos de vigilância em saúde”, “ações de vigilância, prevenção e controle das DST/Aids e hepatites virais”, ou um “programa de qualificação das ações de vigilância em saúde”, segundo o disposto na portaria 1.378, de julho de 2013, que regulamenta os repasses do Ministério da Saúde. A rubrica “Incentivo financeiro aos estados, distrito federal e municípios para vigilância em saúde” aparece como tal pela primeira vez na Lei Orçamentária Anual de 2008, de acordo com os pesquisadores do DAPP.
Outro elemento que chama a atenção é que os estados menos beneficiados com o dinheiro são os que apresentam os maiores índices de incidência de dengue. É o caso de Goiás, que, em 2015, teve 24,67 casos da doença para cada mil habitantes e recebeu apenas R$ 1,27 por morador. Completam a lista dos três estados com maior taxa de incidência de dengue Sergipe (com 16,2 casos por mil habitantes e que recebeu R$ 2,34 por morador) e Pernambuco (10,99 por mil e repasses federais per capita de R$ 2,32).
Já o Distrito Federal, que registrou apenas 3,31 casos da doença a cada mil habitantes, foi contemplado com R$ 4,98 por morador.
— É uma situação bastante impactante. O Distrito Federal está dentro de Goiás. É meio absurdo ele ter mais recursos que Goiás — diz o diretor da DAPP.
Apesar de os pesquisadores não arriscarem um motivo para o percentual de execução da rubrica, infectologistas ouvidos pelo GLOBO acreditam que a crise econômica tenha afetado os repasses.
— Contingenciar essa rubrica é evidente que nos assusta. Não é momento para esse tipo de medida. Quando a gente conversa com os municípios, a grita geral é que o dinheiro está vindo em menor quantidade. Por outro lado, estou vendo aumento de investimentos em pesquisa, principalmente quanto à zika — diz o infectologista Carlos Magno Fortaleza, professor do curso de medicina da Unesp.
Carina Bacelar
Acesse no site de origem: Em 2015, União não transferiu 23% do previsto para programa contra ‘Aedes’ (O Globo, 04/03/2016)