(Folha de Pernambuco, 06/03/2016) Em várias cidades da região, milhares de pessoas apresentavam febre baixa, manchas vermelhas na pele, coceira, conjuntivite
Zika! Foi no grito que o Nordeste provou que o aumento da misteriosa doença exantemática, há um ano, tratava-se de um novo e desconhecido vírus. Era março. Em várias cidades da região,
milhares de pessoas apresentavam febre baixa, manchas vermelhas na pele, coceira, conjuntivite.
Sinais que os governos municipais, estaduais e o federal insistiam em classificar como dengue. Não era. Mas quem se arriscaria a provar o contrário do discurso oficial? O pesquisador baiano
Gubio Soares Campos o fez. O infectologista Antônio Bandeira, que atua em Camaçari, Região Metropolitana de Salvador, o convenceu de que era necessário investigar a estranha enfermidade que acometeu quase 100% da população daquela cidade.
Campos, que é professor de virologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), examinou amostras de pacientes no laboratório. Dias depois, já em abril, trouxe à tona a descoberta que virou o Brasil de cabeça para baixo. E sua vida pessoal também.
O cientista se vê agora à margem das pesquisas sobre o zika. Em entrevista à Folha de Pernambuco, durante o congresso A,B,C,D,E do Zika, realizado pela Fiocruz/PE, Campos falou das dificuldades que vem encontrando para trabalhar e continuar novas descobertas sobre o patógeno. E alerta: o zika pode reservar ainda mais surpresas.
Entrevista
Em um ano o status do zika passou de brando para extremamente perigoso devido à microcefalia e danos neurológicos em adultos. O senhor imaginava que isso aconteceria?
Baseado no que ocorreu em outros países, não dava para imaginar que fosse causar tamanho impacto. Ele parecia ter potencial de infecção inferior à dengue. A surpresa foi quando
começaram a surgir os casos de microcefalia em Pernambuco e em outras regiões do Nordeste. Agora, os estudos estão sendo aprofundados.
Conhecer a característica genética do vírus é muito importante. É preciso lembrar que ele foi isolado de macacos e estava muito restrito na África, de onde foi passando para o ser humano. Ainda está se adaptando às células humanas, o que explica essa agressão toda. O zika pode sofrer extremas mutações. Sempre que um vírus sai de uma espécie animal e se adapta às células humanas, causa estragos maiores.
As complicações do zika não devem parar por aí?
Não. Acredito que esse vírus ainda vai evoluir. Permanecerá na população. Não vai desaparecer e pode causar surpresas no futuro. Os estudos têm que ser precisos. Tem que haver investimento muito grande dos governos. Os pesquisadores precisam se unir para detectar de forma mais rápida um tratamento mais específico.
A vacina é mais complicada, pois, em menos de cinco anos não se pode aplicá-la na população. É preciso estudos clínicos, pré-clínicos.
Estamos caminhando para descobrir a associação do zika com a microcefalia?
Acreditamos que esse vírus tem um período de infecção no primeiro trimestre de gestação. Isso está mais ou menos definido. Acreditamos que ele se liga a células específicas em formação. Essas células específicas estão se dividindo rapidamente.
Elas sofrem muito com a ação do zika. Pois, são células especializadas. O zika consegue se multiplicar nessas células rapidamente e isso tem que ser entendido com brevidade. É o caminho para encontrar a forma de bloquear esse vírus e evitar que cause lesões no feto.
Diante dessa indefinição sobre o vírus, o que fazer para evitá-lo?
Acho que nós temos que combater a origem, que são os vetores. Vetores que ainda não sabemos quais são.
O zika não é transmitido pelo Aedes aegypti?
O fato de alguns pesquisadores afirmarem que é o Aedes aegypti não é verdade. Não existe nenhum trabalho científico no Brasil comprovando isso. Nós precisamos de estudos sérios
para saber quais são os vetores. A forma que o zika avançou demonstra que há vários vetores.
Fora os insetos, têm crescido os casos suspeitos de transmissão sexual. O senhor acha isso possível?
É preciso estudos maiores, pois o que temos são casos esporádicos aqui e ali. Isso não demonstra, ainda, a efetividade. É preciso isolar o vírus no esperma do homem. Coletar amostra
de secreção vaginal das mulheres para saber se ele está lá.
Em seguida, verificar se é viável e se consegue se multiplicar nessas células. Todos esses estudos têm que ser feitos. Mais importante ainda, e o que eu acho prioritário no momento, é saber se as pessoas que já tiveram o zika vírus estão protegidas. Elas têm imunidade ou podem ter a doença novamente?
Acredito que esse é um dos trabalhamos mais importantes da atualidade em estudos epidemiológicos. É preciso identificar, embora ainda pelo quadro clínico, quem teve zika e fazer estudo epidemiológico e sorológico de resposta imune nesses pacientes. Precisamos saber se os anticorpos dessas pessoas são capazes de defender uma nova infecção.
Como foi descobrir o zika?
Achei o vírus com a professora Silva Sardi e o médico Antônio Bandeira. No dia que divulgamos o resultado dos estudos foi uma felicidade ter encontrado um vírus inédito no País. Felizes, informamos ao Ministério da Saúde todos os nossos achados imediatamente no mesmo dia, em abril.
A partir daí sofremos muita pressão, muita crítica. Saíram notas em jornais dizendo que tínhamos manipulado as amostras. Que tudo era falso positivo. Que tínhamos feito coisas indevidas. Passamos dias bastante difíceis porque não valorizaram nosso trabalho de ciência.
Algum ressentimento?
Até hoje, mesmo tendo descoberto o zika, não recebemos um centavo de nenhum órgão público federal ou estadual. Nunca fomos convidados a participar de nenhum projeto do Ministério
da Saúde. Estamos vendo que o ministério em Pernambuco e no Rio Grande do Norte convida os pesquisadores, forma grupos de neurociência, coloca dinheiro. Mas em nosso laboratório não foi colocado nenhum real.
Nunca recebemos nenhuma carta de agradecimento do MS, nem elogio. Pelo contrário, acho que o Governo Federal tem um objetivo: que nós sejamos esquecidos. De certa forma, acho que isso aconteceu pela ousadia de pesquisadores que não são estrelas da ciência do País e não terem contato político no governo descobrirem o zika vírus. Talvez isso tenha incomodado. E hoje estamos pagando o preço. Isso é lamentável!
Acesse no site de origem: “O zika reserva mais surpresas” (Folha de Pernambuco, 06/03/2016)