(Metro, 08/03/2016) O feminismo nunca foi tão popular, e o nome Juliana de Faria, também não. Fundadora da ONG Think Olga, que nasceu na internet e tem como foco o empoderamento feminino, a jornalista escancarou para o mundo o assédio sexual no Brasil. Em 2013, lançou a campanha Chega de Fiu Fiu e revelou que 85% das mulheres já tiveram o corpo tocado sem consentimento. No final do ano passado, promoveu a #PrimeiroAssédio, replicada mais de 82 mil vezes em apenas cinco dias, e denunciou que a idade média para o primeiro assédio é de 9,7 anos. Não à toa, está agora entre as cinco finalistas do Troféu Mulher Imprensa, na categoria Jornalista de Mídias Sociais, que divulgará ainda hoje o resultado final. A data, sem dúvidas, é emblemática – não só para entrar na torcida, mas para se encher de inspiração e força.
Desde o ano passado, os assuntos feministas vêm ganhando cada vez mais visibilidade, em especial nas redes sociais. Qual sua visão sobre o momento que estamos vivendo?
As questões de gênero saíram da academia e dos grupos feministas e entraram em peso nas conversas do dia a dia. As redes sociais funcionaram (e funcionam) como uma grande ferramenta de conexão de pessoas. E a conexão é a base da luta. É com ela que mulheres vão perdendo o medo de falar. Afinal, a coragem é como um vírus, pega. Se alguém que não faz parte do meu círculo levanta a bandeira sobre uma questão que está remoída no meu coração, eu sinto que também sou capaz de me juntar.
Mas alguns temas ainda recebem resistência das pessoas, do tipo “Ah, lá vêm as feministas…”?
A própria campanha Chega de Fiu Fiu teve reações negativas, inclusive, por parte das próprias mulheres. Crescemos em uma sociedade machista, internalizamos o machismo em nós. É difícil desconstruí-lo. Muita gente associou nossa luta com exagero, bobagem e defendeu o assédio como brincadeira, elogio e até como algo benéfico para o ego. Já por parte dos homens, eu cheguei a receber ameaça de estupro e de morte. Mas isso já diminuiu muito. Quando lançamos a #PrimeiroAssédio, o debate foi bem mais rico e responsável.
Falando nisso, você vem fazendo campanhas fortes contra o assédio. A própria #PrimeiroAssédio foi usada quase 100 mil vezes. O que mais te impressionou nisso tudo?
Eu imaginava que teria um certo engajamento por causa do Chega de Fiu Fiu, que teve mais de 8 mil respostas em apenas duas semanas, mas não pensei que seria a catarse que foi. Mulheres compartilharam suas histórias pela primeira vez, contaram coisas que sempre foram jogadas para debaixo do tapete. Foi corajoso, bonito e triste também. Mas foi, principalmente, poderoso. Já que isso existe, é melhor que falemos sobre.
Você sente que as mulheres, que antes viam o movimento como algo negativo e cheio de estereótipos, hoje percebem o quanto o debate tem a ver com elas?
Eu acho que sim. A gente vem conseguindo quebrar essa imagem negativa construída em cima do feminismo e mostrar que, na verdade, ele é a luta pela equidade de gênero. O que é bem diferente de igualdade. Igualdade é tratar todos iguais, equidade é levar o grupo menos favorecido ao patamar dos outros. Por isso o movimento vem fazendo tanto sucesso.
Como você enxerga a interseccionalidade dentro do feminismo?
Eu pratico o feminismo interseccional (que percebe e relaciona as diferentes opressões sofridas por uma mulher, como aquela que é atingida tanto pela desigualdade de gênero quanto pela de classe e/ou raça). Mas como mulher branca, heterossexual e de classe média, minha desconstrução é diária. Precisamos saber que não estamos todas no mesmo ponto. Criticamos, por exemplo, que a diferença salarial entre homens e mulheres é de 30%. Mas que mulheres são essas? São as brancas e escolarizadas. Em relação às mulheres negras, esse número sobe para 50%.
Você conquistou a internet. Mas também vem fazendo projetos fora dela, como o Olga Mentoring, programa de apoio a mulheres que querem empreender. Como é estar nos dois ambientes?
É um grande desafio atuar no on-line e no off-line com a mesma produção. O off-line exige muito mais dinheiro. Ano passado viramos oficialmente uma ONG, mas ainda não temos apoio, edital, nada. Muito do que vem sendo feito é com investimento próprio, porque acreditamos no que fazemos e queremos fazer cada vez mais. É lindo, maravilhoso. É o que eu desejo. Mas ainda assim é um desafio.
Você se lembra de algum momento que tenha te marcado e reafirmado a importância do seu trabalho na vida das mulheres?
Uma vez fui dar uma palestra em um SESC e, no final, abri para perguntas. Uma menina de nove anos levantou a mão e disse: “Eu só queria falar que não importa a roupa ou o lugar; assédio é errado”. Até hoje fico emocionada de lembrar disso. É incrível pensar que uma garota tão nova já sabe algo que demorei 27 anos para entender. Eu reconheço que há dificuldades e muito tempo pela frente para alcançar a equidade de gênero, mas é por situações como essa que eu me mantenho otimista.
O Think Olga já está com novos projetos?
Sim!! Dia 19 de março vamos lançar o Olga Esporte Clube, campanha de empoderamento feminino por meio do esporte. A intenção é desconstruir a ideia de que ele é algo que deva ser praticado só para ter um “corpo gostoso” e mostrar o que realmente tem de bom, como dar força, coragem, propiciar um momento de lazer – inclusive com outras meninas –, entender o próprio corpo, entrar em contato com a natureza, etc. Em abril, vamos apresentar ainda uma ferramenta que conecta mulheres que queiram praticar esporte, mas não encontram companhia ou lugar. Ah, se tudo der certo, o documentário “Chega de Fiu Fiu”, financiado coletivamente, ficará pronto até o final do ano.
E qual sua opinião sobre o Dia Internacional da Mulher?
É um dia muito importante. Não podemos ignorar a questão e falar que não vemos gênero em nada, porque ele existe e está aí escancarado. Mas essa discussão não deveria estar presente somente no mês de março, mas no dia a dia das escolas, das famílias e das rodas de amigos. Que ótimo que estamos falando sobre isso agora, mas podemos continuar falando o ano inteiro? (risos)
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