(Folha de S.Paulo, 10/03/2016) O assassinato de duas turistas argentinas no Equador e as reações ao crime, alvo de protestos de grupos de direitos das mulheres em toda a América Latina, culminaram nesta quinta (10) na saída do cargo da número 2 no Ministério do Turismo do Equador.
María Cristina Rivadeneira afirmou que os assassinatos, em uma praia de seu país, “iriam ocorrer cedo ou tarde”, pois as jovens viajavam de carona e “procuravam festa”.
O argentino Jorge Coni, pai de uma das vítimas, disse à Folha que a tecnocrata equatoriana “é um animal”. Coni contou que esta era a terceira vez que a filha, a estudante de economia María José Coni, 22, ia ao exterior.
Aos 15 anos, ela conheceu o Brasil em uma viagem escolar e, depois, foi ao Chile. “Mas era a primeira vez que ela fazia com seu próprio dinheiro”, acrescentou. Ela estava acompanhada da amiga Marina Menegazzo, 21, estudante de fonoaudiologia, com quem foi morta.
As primeiras reações de autoridades e da imprensa local ressaltavam que as universitárias “viajavam sozinhas” sem companhia masculina—, o que suscitou críticas e enorme repercussão na região, sobretudo em redes sociais.
“Com certeza isso ocorreria com essas meninas em algum lugar, pois iam [do Equador] até a Argentina pedindo carona. Ia acontecer algo cedo ou tarde”, declarou Rivadeneira na quarta (9) à agência de notícias alemã DPA em Berlim, durante uma proeminente feira de turismo.
Ela também havia menosprezado os turistas que vão à Montañita, localidade próxima a Guayaquil onde ocorreu o crime, no fim de fevereiro.
“É um lugar de turistas latino-americanos e equatorianos que não vão atrás de cultura, tradição e gastronomia —o que viemos oferecer aqui [na feira]. É um turista totalmente diferente, um turista mais de festas. Não de cultura, como o da região aonde vai o turista alemão”, afirmou, dizendo que nunca foi a Montañita porque o local não tem seu perfil social.
O governo do Equador se desculpou pelas declarações.
MULHERES SOZINHAS
As famílias das vítimas desconfiam da versão que a polícia equatoriana apresentou sobre o crime. Para os parentes, não seria possível solucionar o caso em menos de 24 horas após os corpos terem sido achados, como ocorreu.
Segundo a polícia, Marina e María conheceram os equatorianos Aurelio Eduardo Rodríguez, 39, e Alberto Segundo Mina Ponce, 33, em um bar de Montañita e foram para a casa de um deles na noite de 22 de fevereiro.
Lá, foram mortas a golpes de faca e pauladas após se negarem a manter relação sexual com eles.
Os dois estão presos, mas já apresentaram diferentes versões para os assassinatos. As famílias afirmam que as jovens não sairiam espontaneamente com homens com o tipo físico dos supostos criminosos e dizem que o caso é de “tráfico de pessoas”.
O governo argentino enviou quatro peritos da Polícia Federal para acompanhar as investigações após autorização da Justiça equatoriana.
O caso provocou comoção nos países da região após reacender nas redes sociais debates sobre questões de gênero. Alguns jornais afirmaram que as duas viajavam “sozinhas”. Na internet, surgiram comentários como “claro que deviam estar bêbadas” e “usavam roupas provocantes”.
Como resposta, multiplicaram-se no Twitter as hashtags #viajosola (viajo sozinha) e #niunamenos (nenhuma a menos), acompanhadas de comentários que lembravam que mulheres não precisam viajar com homens para estarem seguras.
Na semana do Dia da Mulher, um texto da estudante paraguaia de comunicação Guadalupe Acosta viralizou. Em primeira pessoa, como se fosse uma das vítimas, a estudante escreveu:
“Pior que a morte, foi a humilhação que veio depois. (…) Ninguém perguntou onde estava o filho da p. que acabou com meus sonhos, minha vida. (…) Mas começaram a me fazer pergunta inúteis. Que roupa eu vestia? Por que andava só?”, escreveu Acosta.
LUCIANA DYNIEWICZ
DE BUENOS AIRES
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