(HuffPost Brasil, 08/03/2016) Ela Wiecko Volkmer de Castilho, Vice-procuradora-geral da República, única mulher a presidir a Associação Nacional dos Procuradores da República (1997-1999), membro do MPF desde 1973 e primeira ouvidora-geral do MPF.
Somos 318 mulheres e 767 homens no Ministério Público Federal. Correspondemos a cerca de 30% do total dos membros.
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Somos, portanto, minoria numa instituição que defende a sociedade brasileira na qual as mulheres somam mais do que 50% da população.
Essa situação vem de longe e não vai mudar se não forem adotados mecanismos para aumentar o número de inscrições de mulheres nos concursos de ingresso na carreira.
As mulheres se inscrevem em menor número provavelmente porque sabem que terão de enfrentar muitas dificuldades se não conseguirem uma primeira lotação perto da família.
É uma dificuldade dos homens também, mas para as mulheres é maior no caso de já terem constituído família ou de desejarem constitui-la.
Porque não serão apenas procuradoras da República, serão mães e administradoras do espaço doméstico. É o que prevalece em nossa cultura.
Relatos de colegas mostram o quanto elas abdicam em favor de seus companheiros e da família. Deixam de participar de grupos de trabalho e de cursos, perdem oportunidades de ascender na carreira, de terem visibilidade, simplesmente porque são mulheres.
Mulheres, em regra, devem “se ocupar da família”. É o papel que se espera que elas desempenhem.
Das 318 mulheres quase 80% estão na fase reprodutiva, levando a uma alta percentagem de licenças maternidade e faltas, decorrentes da necessidade de cuidar dos filhos pequenos que adoecem.
Apesar das procuradoras da República estarem exercendo a importante função de reprodução social, elas são vistas como um problema, porque os homens precisam trabalhar mais. Quem decide qual é o trabalho mais importante?
São os homens e é deles o mais importante.
Essa situação de minoria das mulheres no Ministério Público Federal me preocupa, pois como uma instituição predominantemente masculina pode efetivamente compreender a condição feminina na sociedade brasileira e atuar na promoção da igualdade material entre mulheres e homens?
Fazemos parte do chamado sistema de justiça, que opera com preconceitos e estereótipos de todo o tipo. Interpretamos as leis segundo um código de valores que constitui um habitus que reproduzimos, consciente ou inconscientemente.
E nesse código não escrito, mas praticado, inclusive pelas próprias mulheres, o gênero feminino vale menos que o gênero masculino.
Essa desigualdade só será percebida por nós se incorporarmos na instituição uma perspectiva de gênero.
Resolução do 30º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Justiça Criminal, realizado em Doha, em abril de 2015, destacou quatro diretrizes que demonstram preocupação com a implementação de uma perspectiva de gênero.
A primeira diz respeito a integrar a perspectiva de gênero nos sistemas de justiça criminal e implementação de estratégias nacionais e planos para promover a completa proteção de mulheres de todos atos de violência.
Relembra as obrigações dos Estados Partes decorrentes da Convenção para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra Mulheres e de seu Protocolo Facultativo, bem como a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas nº 65/228 – Modelos de Estratégias e Medidas Práticas para a eliminação da violência contra as mulheres no campo da prevenção do crime e da justiça criminal.
A segunda, a promover medidas específicas na perspectiva de gênero como parte das políticas de prevenção do crime, da justiça criminal e do tratamento de infratores, levando em consideração as Regras da ONU para o Tratamento de Mulheres Prisioneiras e Medidas Não Custodiais para Mulheres Infratoras.
As duas outras focam a participação de mulheres nos sistemas de justiça.
Primeiro, desenvolver e implementar estratégias e planos apropriados e efetivos para o avanço das mulheres nos níveis de direção, gerência e outros níveis nos sistemas de justiça criminal e instituições.
Segundo, assegurar igualdade de todas as pessoas perante a lei, incluindo igualdade de gênero para pessoas pertencentes a grupos minoritários e povos indígenas. Sugere o recrutamento pelas instituições da justiça criminal de pessoas pertencentes a esses grupos.
Incorporar a perspectiva de gênero no sistema de justiça é uma tarefa exigente. Implica a reformulação da linguagem utilizada, implica pensar como qualquer decisão vai afetar as mulheres, implica a presença de mulheres e o exercício de poder por elas no sistema de justiça.
Voltando às mulheres procuradoras da República, quero dizer por fim que, além da preocupação antes externada, tenho a esperança e a certeza de que elas saberão provocar mudanças nas relações de gênero na instituição, assegurando a igualdade de oportunidades e de responsabilidades entre homens e mulheres na vida profissional e pessoal.
Acesse no site de origem: A mulher vale muito menos que um homem para a Justiça brasileira, por Ela Wiecko (HuffPost Brasil, 08/03/2016)