(O Estado de S. Paulo, 29/03/2016) Levantamento mostra, no entanto, que elas ainda ganham menos do que os homens e têm menor inserção no mercado de trabalho
A maioria dos brasileiros que concluíram doutorado no exterior nos últimos quatro anos é mulher, mas elas ainda têm menos inserção no mercado de trabalho e recebem salários menores do que os homens, segundo um levantamento feito pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), uma organização social ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Segundo o estudo, ao qual o Estado teve acesso com exclusividade, 14.173 brasileiros obtiveram título de doutor fora do País entre 1970 e 2014. Desse total, 8.357 (59%) são homens e 5.786 (41%) são mulheres – ou seja, há uma predominância claramente masculina no acumulado desses 45 anos. A partir de 2012, porém, a tendência se inverte, e as mulheres passam a ser maioria, chegando a 60% do total em 2014.
“A reversão pode estar associada a um conjunto de fatores sociais e econômicos bem conhecidos no país, como a crescente independência da mulher na sociedade brasileira, a transformação do papel feminino – a maternidade já não é o principal fato social na vida da mulher no Brasil – e a participação ativa no mercado de trabalho”, diz o relatório, cuja íntegra deverá ser apresentada nesta terça-feira, 29, em Brasília.
“É uma tendência que já se observa há algum tempo entre os doutores titulados no País”, disse ao Estado o presidente do CGEE, Mariano Laplane. No cenário doméstico, as mulheres já são maioria desde 2004. “Acho isso muito bom. Pena que a remuneração ainda não esteja equilibrada.”
O estudo mostra que estudar no exterior é um bom investimento, tanto para homens quanto para mulheres. O salário médio dos doutores com titulação no exterior é de R$ 17,3 mil, comparado a R$ 13,8 mil dos doutores em geral. Os salários da mulheres, porém, são em média 20% menores do que os dos homens – uma diferença menor do que a verificada no mercado de trabalho em geral (em torno de 25%), mas ainda significativa. A taxa de emprego formal entre as mulheres também foi menor do que entre os homens em todos os anos do período. Mais da metade desses doutores são empregados na administração pública federal.
A média de doutores formados no exterior desde 1970 foi de 315 por ano, com altos e baixos ao longo do período. Houve uma queda expressiva entre 1995 e 2001, por exemplo – reflexo da uma mudança estratégica, no sentido de favorecer a formação de doutores dentro do País. Mas os números voltaram a crescer a partir de 2001, e explodiram a partir de 2007, impulsionados pelo crescimento econômico e pelo lançamento do programa Ciência sem Fronteiras.
A base para o estudo foi a plataforma de currículos Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os números não incluem doutores brasileiros que tenham permanecido no exterior, empregados fora do sistema de ciência e tecnologia nacional.
Os países que mais formaram doutores brasileiros foram os Estados Unidos, com 3.710, seguidos pela França (2.305), Grã-Bretanha (2.067), Espanha (1.520) e Alemanha (947). Apesar do número de doutores titulados no exterior ser muito inferior ao de formados no País (que passa de 10 mil por ano), a experiência internacional dessa força de trabalho é crucial para o desenvolvimento da ciência nacional, segundo Laplane. “É muito importante para que mundo veja a qualidade dos nossos jovens pesquisadores e para que o País se insira nas redes internacionais de pesquisa.”
‘Sentia obrigação social com Brasil’, diz pós-graduada
Em 1981, recém-graduada em Arquitetura e Urbanismo, Leda Maria Vieira Machado, que se formou em 1979, sentiu na pele o que era ser minoria quando foi uma das 14 alunas de um curso de pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da University of London, na Inglaterra. “Tinha gente do mundo inteiro e eu era a única mulher, e a mais nova”, conta ela, hoje com 57 anos.
“Fui muito bem e me convidaram para fazer mestrado”, diz ela. O mestrado foi em Economia. Na sequência veio o doutorado em Sociologia.
Em 1991, Leda decidiu voltar. “No fundo, sentia uma obrigação social com o Brasil. Quem pagou meus estudos foram os brasileiros, com impostos”, diz ela, que foi bolsista. Em 1998, ainda fez um pós-doutorado na Espanha.
Leda diz não acreditar que ter se pós-graduado no exterior tenha facilitado sua inserção no mercado de trabalho. “Na verdade, você volta ao País sem nenhum apoio”, afirma. Ela trabalhou em empresas públicas, foi comissionada na Universidade de São Paulo (USP) e dirigiu Departamentos de Recursos Humanos de diversas multinacionais. Desde 2011, tem uma empresa própria de consultoria, a LMachado.
Herton Escobar
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