(O Globo, 10/04/2016) Instituição orienta pais, e estudo comprova a eficácia da estimulação feita em casa.
O número de casos de microcefalia com histórico de zika atendidos na Rede Sarah, presente em oito capitais brasileiras, aumentou 525% desde novembro de 2015, quando o governo federal confirmou a epidemia. Naquele mês, oito bebês com a malformação cerebral chegaram aos centros de reabilitação, contra 50 novos pacientes apenas em março deste ano. No total, a instituição recebeu, nos últimos cinco meses, 153 crianças com a doença relacionada ao zika e sete nas quais o vírus causou outros problemas no encéfalo. Em busca do aparato tecnológico e do conhecimento científico dos profissionais do hospital, pais e mães descobrem logo na primeira consulta que são eles próprios que terão o poder de melhorar o desenvolvimento de seus filhos.
Ensinar os pais a estimular corretamente os bebês com problemas cerebrais é uma metodologia consagrada na Rede Sarah, reconhecida internacionalmente na área de reabilitação. A estratégia de repassar conhecimentos à família, entretanto, ainda enfrenta resistências, conta Lúcia Willadino Braga, neurocientista e presidente da instituição. Segundo ela, além de uma queixa corporativista por parte de quem teme perder pacientes, há, entre as famílias atendidas, uma cultura de dependência da ajuda especializada.
Famílias têm papel fundamental
Para quebrar barreiras, conta Lúcia, o hospital vai “empoderando” mães e pais com um manual de treinamento. Eles saem das consultas com um caderninho montado pela equipe multidisciplinar. No material, estão ilustrações das atividades que deverão ser feitas com a criança em casa. São 225 desenhos no acervo do hospital. Já a resistência entre os profissionais de saúde vem sendo rompida, segundo Lúcia, pelas evidências de que os bebês melhoram mais quando a estimulação, bem orientada, fica principalmente a cargo da família.
A neurocientista fala com embasamento científico. Ela é autora de uma pesquisa, publicada em 2004 no periódico especializado Brain Injury Journal, que avaliou dois grupos de pacientes com paralisia cerebral: 34 crianças que faziam a estimulação cognitiva e motora com atendimento especializado, cinco vezes por semana, em consultórios; e 38 que eram trabalhadas pelos pais, passando por apenas uma consulta semanal ou a cada 15 dias.
Ao final de um ano, o grupo assistido majoritariamente pela família havia melhorado quase quatro vezes mais em relação ao que concentrou a reabilitação no apoio clínico. O estudo foi um marco na percepção da importância de dotar os pais de conhecimentos, o que já era uma realidade nos trabalhos de estimulação, mas não de forma consistente.
Rodeada de especialistas de várias áreas, Izabel Justino da Silva, de 20 anos, estava ainda na primeira consulta numa unidade do Sarah em Brasília, em busca de um diagnóstico para o atraso no desenvolvimento da filha, Maria Nicole, quando começou a aprender como estimular a menina de quase nove meses. Depois de receber orientações e ilustrações da equipe, Izabel se animou com a perspectiva de poder atuar diretamente na melhora de Nicole, que será reavaliada na próxima visita ao local.
— As atividades são bem simples. Acho que não terei problema para fazer em casa. O bom é que tenho tempo, então espero ajudar muito em seu desenvolvimento — diz Izabel.
Luiza da Silva Souza Padre começou o tratamento de Sara Gabrielly, de 2 anos e meio, quando ela tinha sete meses, por causa de uma paralisia cerebral. Uma vez por semana, vai a uma unidade do Sarah em Brasília para aulas de natação com a menina. E, a cada 15 dias, a criança faz exercícios em um tapete. Ciente de que a parte principal do tratamento está na estimulação feita em casa, a mãe de 39 anos abre um sorriso ao falar da “evolução” de Sara Gabrielly desde que começou o tratamento:
— Quando ela chegou aqui, não mexia as pernas, não pegava nada. Hoje, já começa a falar. A gente olha na caderneta os exercícios e vê que realmente estão dando certo — afirma Luiza.
Resultados preliminares de um novo estudo em andamento na Rede Sarah reforçam a eficácia da estimulação feita pelos pais. Mais de 20 bebês foram analisados em exames de ressonância magnética funcional. Ficou provado, por meio das imagens, que, ao ouvirem a voz da própria mãe, as crianças ativam uma área do cérebro cerca de 20 vezes maior do que quando escutam as mesmas palavras ditas por outra pessoa.
— É o amor no cérebro. Estamos constatando que a criança ativa muito mais neurônios ao ouvirem a voz da mãe — diz Lúcia.
Renata Mariz
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