(O Estado de S. Paulo, 12/04/2016) Pesquisa da Fiocruz fez descrição detalhada da epidemia no Rio e analisou casos confirmados por teste molecular, mais preciso.
Cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizaram um estudo que relata detalhes sobre a epidemia de zika no Rio de Janeiro em 2015 e propõe uma mudança nos critérios atuais para o diagnóstico da doença. A pesquisa, publicada na revista científica PLoS Neglected Tropical Diseases é a primeira a ser realizada com uma alta proporção de casos confirmados por diagnóstico molecular.
A equipe liderada por Patrícia Brasil, da Fiocruz, analisou os dados de 364 pacientes que haviam manifestado sintomas – especialmente coceira e erupções na pele – entre janeiro e julho de 2015. O vírus da zika foi detectado em 119 dos pacientes.
De acordo com os autores do estudo, o primeiro desafio enfrentado foi o diagnóstico correto da zika, já que a doença tem sintomas parecidos com os da dengue e chikungunya. Como há grande proximidade genética entre os vírus da zika e da dengue, os testes sorológicos têm problemas para distinguir os dois vírus.
Segundo a pesquisadora, os testes moleculares detectam o vírus com precisão, mas são caros e limitados ao período em que o vírus está circulando no organismo. Já os testes sorológicos têm uma frequência muito grande de reações cruzadas com o vírus da dengue. “Dos pacientes que foram diagnosticados com zika, 35% tinham feito testes que apontaram reação cruzada com a dengue”, disse Patrícia ao Estado.
Os testes moleculares mostraram que, entre os 119 pacientes diagnosticados com zika, não havia nenhum positivo para dengue ou chikungunya. No entanto, tinham sintomas que eram facilmente confundidos com os dessas duas doenças. Segundo Patrícia, uma das conclusões do estudo é que o critério de diagnósticos da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) deveria ser modificado.
“A definição de casos de zika da Opas inclui febre entre os sintomas e não inclui prurido (coceira). Mas nós constatamos no estudo que uma parcela muito pequena, inferior a 30% dos pacientes, apresentavam febre. E a quase totalidade deles tinha pruridos, além da vermelhidão na pele”, disse Patrícia.
Segundo ela, a mudança do critério facilitaria o diagnóstico clínico. “O ideal seria ter testes rápidos. Mas até hoje no Brasil ainda não temos um método sorológico validado. Há vários laboratórios testando técnicas diagnósticas, mas hoje a reação cruzada entre os flavivírus ainda é um problema. Precisamos de testes rápidos e específicos”, disse a pesquisadora.
Outra constatação feita pelos pesquisadores é que nenhum dos 119 pacientes de zika havia viajado para fora do Rio de Janeiro quando ocorreu a infecção. Isso permite concluir, segundo os cientistas, que todos foram infectados na cidade.
No entanto, 11% dos infectados por zika tiveram os sintomas diagnosticados antes de maio de 2015, quando os casos de zika foram detectados no Nordeste. Isso significa que talvez a epidemia não tenha começado no Nordeste e se espalhado para o resto do país, como foi cogitado.
“Na realidade, ninguém sabe exatamente quando e por onde o vírus entrou no Brasil. Após a divulgação do primeiro caso positivo, no Nordeste, começamos a procurar e a analisar amostras de casos anteriores a essa data, que haviam inicialmente sido notificados como dengue”, disse.
De acordo com a pesquisadora, o estudo tinha o objetivo de identificar uma doença nova cujos sintomas começaram a ser detectados no início de 2015. “Logo vimos que era uma doença emergente”, disse.
Patrícia explica que seu grupo, que tem foco em doenças emergentes, contribui especialmente para a vigilância sindrômica – uma estratégia de vigilância de epidemias que se baseia na detecção de um conjunto de manifestações clínicas comuns a diferentes doenças. Captando casos o mais precocemente possível, é possível adotar medidas de controle mais eficazes e oportunas.
“A importância maior do estudo está na questão da vigilância sindrômica. Como estamos na Fiocruz, pudemos nos beneficiar da estrutura variada de laboratórios disponíveis para investigar as diferentes síndromes. No caso, o laboratório de referência de flavivírus foi fundamental para a detecção da epidemia”, disse.
Segundo ela, como não há tratamento antiviral para as doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, a precisão do diagnóstico não é tão importante para o cuidado individual. Mas é crucial para a vigilância e controle da epidemia. “O diagnóstico é especialmente importante para a vigilância e controle da epidemia”, declarou.
Dos 119 casos positivos estudados, quatro eram mulheres grávidas. Uma delas perdeu o bebê na décima semana de gravidez e as outras três tiveram filhos normais. Além disso, uma paciente foi hospitalizada com febre e manifestações neurológicas, desenvolvidas mais tarde, que tinham características da síndrome de Guillain-Barré.
Fábio de Castro
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