(Folha de S. Paulo, 15/04/2016) “Precisamos fazer a ONU incrível de novo?”
Era uma brincadeira do chanceler de Montenegro com “Make America Great Again” (faça a América incrível de novo), slogan de Donald Trump na campanha à Casa Branca. Mas a fala de Igor Luksic num debate em Nova York na quarta (13), com quatro dos oito candidatos a secretário-geral do órgão, sintetizou a cobrança.
Eleições transparentes e mulheres no topo: é o que fará a ONU “incrível de novo”, segundo campanhas como “1 for 7 Billion” (um líder para sete bilhões), apoiada por Anistia Internacional e Avaaz, e “Equality Now”, da ONG homônima que há duas décadas pede uma líder mulher.
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Liderada por oito homens em 71 anos, a ONU realiza neste ano uma inédita campanha “às claras” –e com boa de chance de eleger sua primeira líder (há quatro mulheres no páreo, e o secretário-geral que deixa o cargo, Ban Ki-moon, declarou à Folha em dezembro ser “mais do que hora” de uma mulher assumir seu posto).
Até aqui, o processo foi a portas fechadas, no que críticos chamavam de “panelinha” entre os membros permanentes no Conselho de Segurança (EUA, China, Rússia, França e Reino Unido).
“Na prática, os 193 membros da Assembleia Geral apenas carimbavam uma decisão tomada pelos membros do Conselho em segredo. Às vezes nem sabíamos quem eram os candidatos”, diz à Folha Yvonne Terlingen, ex-representante da Anistia Internacional na ONU.
“E quem estava na disputa frequentemente era forçado a fechar acordos de bastidores com esses membros permanentes, prometendo cargos em troca de votos. Se houve bons secretários-gerais, isso ocorreu apesar das seleções, e não graças a elas.”
SABATINAS
Na eleição de 2016, ainda sem data marcada, o “clube dos cinco” ainda pode vetar o indicado da Assembleia. Ao menos agora sabe-se quem são. Os postulantes a suceder Ban, que deixa o cargo em 31 de dezembro, foram sabatinados ao longo desta semana em sessões transmitidas ao vivo no site da entidade.
Posicionaram-se sobre questões espinhosas, como “capacetes azuis” (tropas de paz) acusados de estuprar civis em missões na África.
Esther Brimmer, ex-secretária de Estado adjunta dos EUA, disse à Folha que a ONU segue “uma tendência maior de organizações internacionais serem mais transparentes”, caso queiram se manter globalmente relevantes.
Mas falta pôr uma mulher no comando e fazer o “dever de casa”, diz Jim Della-Giacoma, vice-diretor do Centro de Cooperação Internacional da Universidade de Nova York. “A ONU teve inúmeras resoluções sobre igualdade de gênero, mas pouca ação.”
Das candidatas, a búlgara Irina Bokova, chefe da Unesco (braço da ONU para cultura e educação), é tida como favorita: vem do Leste Europeu, região da vez no rodízio informal na chefia do organismo, e é palatável a Moscou.
Para especialistas, se convencer Washington de que não pegará leve com os avanços de Vladimir Putin, leva.
As outras candidatas são Helen Clark (ex-premiê da Nova Zelândia), Vesna Pusic (ex-chanceler da Croácia) e Natalia Gherman (que teve o cargo em Moldova). O ex-presidente esloveno Danilo Türk, o ex-premiê português António Guterres, o ex-chanceler sérvio Vuk Jeremic e Luksic completam o quadro.
Terlingen, da Anistia Internacional, aponta falhas que persistem na atual seleção: a “falta de prazo” (um novo nome pode surgir a qualquer hora) e a “incerteza de como o Conselho de Segurança pesará a visão da Assembleia”.
Ela sugere que a cúpula aponte mais de um nome para os membros elegerem o melhor e o fim do segundo mandato de cinco anos.
Sob escrutínio público, os oito candidatos lançam suas cartas. Na conversa de quarta, a croata Pusic se gabava de ter começado um pioneiro grupo feminista na Croácia, e a Türk só restou defender a igualdade de gêneros (“o mais próximo que chegarmos de 50/50, melhor”).
Houve até cabo eleitoral pop. A cantora Lorde defendeu a “compatriota inspiradora” Helen Clark em uma rede social. “Ela daria uma secretária-geral incrível!”
Acesse o PDF: Com quatro mulheres, ONU tem eleição para secretário-geral inédita (Folha de S. Paulo, 15/04/2016)