(Folha de S.Paulo, 28/04/2016) A epidemia de zika no país colocou as mulheres grávidas no topo das preocupações. Não poderia ser diferente. O nascimento de bebês com microcefalia é a consequência mais dramática do surto.
Dentre as estratégias de prevenção recomendadas às gestantes, o uso de repelentes figura como uma das principais, pois reduz as chances de picadas do mosquito Aedes aegypti, que transmite o vírus da zika —e também o da dengue e da chikungunya.
O uso diário dos produtos mais recomendados por médicos, contudo, custa cerca de R$ 180 por mês, um valor inacessível para as famílias mais pobres. Estas, além disso, com frequência vivem em locais com esgotos a céu aberto e coleta precária de lixo, o que favorece a proliferação do mosquito.
Apesar disso, o governo federal demora a ajudar a população carente, como mostram dados recentes de Pernambuco, Estado até agora mais atingido pela microcefalia.
Lá, mais da metade das mães de bebês com suspeita de malformação craniana está inscrita no cadastro único de programas sociais. Quase 80% delas são consideradas extremamente pobres, integrando famílias cuja renda per capita mensal é de até R$ 47.
Em dezembro de 2015, o Ministério da Saúde anunciou planos de distribuir repelentes a grávidas beneficiárias do Bolsa Família —um contingente estimado em 400 mil mulheres. Pretendia-se iniciar a entrega em fevereiro deste ano.
Somente na última sexta-feira (22), porém, publicou-se no Diário Oficial da União um decreto de criação do programa de distribuição de repelentes a essas gestantes. Pior, não há data para o início das entregas. O edital para a aquisição do produto, por exemplo, ainda nem foi divulgado.
Na melhor das hipóteses, o repelente chegará às gestantes carentes perto do início do inverno, quando o auge da ação do A. aegypti terá passado. A escassez sazonal de chuvas e a chegada do frio naturalmente reduzirão a quantidade de mosquitos. Ou seja, a ação federal começará tarde, quando o estrago irreparável estará feito.
O vírus da zika já circula em quase todos os Estados. Em 2016 foram registradas 91,3 mil prováveis ocorrências da doença, 7.500 das quais em grávidas. Os casos confirmados de malformação chegam a 1.198.
A letargia do governo federal apenas amplifica essa tragédia, para particular prejuízo —de novo— da população mais vulnerável.
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