(Nexo Jornal, 28/04/2016) Mulheres são especialmente afetadas pela Lei de Drogas, diz pesquisadora
Em dez anos, o número de mulheres encarceradas no Brasil mais do que dobrou. Elas eram 18.790 em 2004, e chegaram a 38 mil em 2014, um aumento de 102%. O ritmo é muito superior ao dos homens – no mesmo período, o crescimento foi de 80% para os presidiários do sexo masculino.
Os dados são do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), divulgado nesta terça-feira (26). Para pesquisadores, eles são um reflexo de uma política que elegeu a guerra às drogas como estratégia primordial e têm como consequência um alto custo social: mais crianças longe das mães e mais mulheres sujeitas a problemas ligados ao encarceramento, como adoecimento e mortes violentas.
Guerra às drogas
Segundo pesquisadores, o motivo da alta do encarceramento de mulheres é o mesmo para a alta do número de presos no geral no Brasil: a política de guerra às drogas. Mas a questão atinge as mulheres de uma forma diferente.
A lei 11.343, de 2006, conhecida como “Lei de Drogas”, deixa a cargo do Juiz decidir se uma pessoa presa portando drogas é um usuário – que tem penas mais leves e não vai para a cadeia – ou um traficante. Essa decisão é tomada com base no que diz a polícia e o Ministério Público, e pode facilitar o encarceramento de acusados sem que haja evidências claras de que estivessem efetivamente vendendo drogas.
No Brasil, o crime que predomina entre os motivos para a prisão é o tráfico de drogas. Por ele respondem 27% dos presos no total. Entre as mulheres, a proporção é ainda maior: 63% das mulheres presas no Brasil foram encarceradas devido ao crime de tráfico de drogas, segundo dados do Infopen.
“É muito claro que esse crescimento está diretamente atrelado à reformulação da política de drogas, que fundamenta essa guerra ao pequeno usuário, ao pequeno traficante, e que não desmantela uma estrutura de tráfico muito maior, internacional. Nós sabemos que quem está na ponta e quem é o pequeno traficante são principalmente as mulheres.”
Thandara Santos, representante do Depen (Departamento Penitenciário Nacional).
Mais precarizadas dentro do mundo do crime
Outra justificativa é o fato de que ocupam postos mais vulneráveis dentro do mundo do crime. Para a pesquisadora Bruna Angotti, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), da mesma forma que estão pior colocadas no mercado formal de trabalho, as mulheres ocupam posições marginais na cadeia de negócios das drogas, o que faz com que sejam mais vulneráveis à prisão.
“Elas estão muito mais na berlinda, na linha de frente com a polícia. Esse envolvimento no tráfico se dá de maneira mais precarizada do que ocorre para os homens, porque elas têm salários menores e são facilmente substituíveis”, diz Bruna Angotti.
Raquel Lima, coordenadora do programa Justiça Sem Muros e membro do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), afirma que mulheres no geral ocupam posições marginais no tráfico, guardando em suas casas ou empacotando e transportando pequenas quantidades de drogas, por exemplo.
Elas são atraídas para essas atividades porque, em paralelo ao tráfico, conseguem continuar a cumprir tarefas domésticas, como cuidar dos filhos ou da casa.
No tráfico de drogas entre fronteiras, é comum que sejam usadas como “bois de piranha”: chamarizes para serem presos pela polícia enquanto homens com status maior no grupo criminoso seguem trajeto. “Elas são denunciadas e presas enquanto quantidades maiores de drogas são transportadas.”
Tráfico torna mais difícil para a mulher sair da cadeia
A legislação de 2006 transformou tráfico de drogas em crime hediondo, o que resulta em penas mais longas e difíceis de reduzir. No entanto, o Código de Processo Penal afirma que o juiz pode transferir mulheres de presídios para a prisão domiciliar nos casos em que isso for “imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade”, ou quando se tratam de gestantes a partir do sétimo mês de gravidez. A Lei de Execução Penal também recomenda regimes abertos com prisão domiciliar para mulheres.
No regime aberto, o presidiário trabalha durante o dia e retorna para estabelecimentos prisionais específicos durante a noite e nos finais de semana. Mas, segundo Bruna Angotti, isso é pouco aplicado devido à falta de prisões adaptadas a essa função. “Mesmo nos casos em que se recomenda o regime semiaberto, isso não pode ser aplicado”, diz. No momento em que dão à luz, essas mulheres devem ser levadas para um hospital. Mas é comum que a escolta policial para o transporte não chegue a tempo. O parto na cadeia ocorre com frequência.
Um levantamento feito pela Defensoria Pública de São Paulo mostra, por exemplo, que uma a cada cinco presas é mãe ou está grávida. São 5.361 crianças filhas de presidiárias. Quase metade (47,6%) tem menos de sete anos.
Em depoimento ao projeto “Mulheres Sem Prisão”, hotsite que faz parte de uma campanha contra o encarceramento de mulheres, a presidiária Raquel fala sobre os problemas que enfrentou na cadeia. Ela conseguiu sair da prisão a partir de um habeas corpus obtido pela atuação da Defensoria Pública. Seu parto ocorreu dois dias depois: “Eu não sabia o que podia acontecer comigo pelo fato de eu estar lá dentro, grávida. Na rua, você sente uma dor e vai pro hospital. Lá dentro não é assim. Se não tiver uma escolta, não sai do hospital de jeito nenhum. Quando cheguei em casa, meus filhos estavam largados, com problemas no conselho tutelar. Estavam agressivos, mas depois que eu cheguei, se acalmaram”, disse Raquel, presidiária, em depoimento ao ITTC. Ela foi encaminhada à prisão domiciliar após intervenção de advogado da Defensoria Pública.
André Cabette Fábio
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