(Nexo, 06/05/2016) Elas usam a cidade de maneira diferente deles. E arquitetos defendem que isso deveria ser levado em conta no planejamento urbano
Mulheres usam a cidade de forma diferente dos homens. De maneira geral, elas transitam pelo espaço público com uma lógica específica, porque combinam funções de trabalho e de cuidado com a casa e com os filhos.
O assédio também impacta as escolhas das mulheres sobre como e onde circular no espaço urbano. E isso tudo resulta em necessidades diferentes de acessibilidade nas vias, iluminação, transporte público e até zoneamento urbano.
“Para mim, é uma abordagem política do planejamento [urbano]. Trata-se de trazer as pessoas para espaços onde antes elas não existiam ou sentiam que não tinham direito de usar.”
Na maior parte das vezes, no entanto, o planejamento das cidades não leva esse aspecto em consideração. De acordo com um estudo da Universidade de Cornell, conduzido em 2014, planos de urbanização para cidades geralmente não contemplam as necessidades das mulheres e não oferecem soluções para os problemas específicos enfrentados por elas no uso do espaço urbano.
Além disso, arquitetos defendem que um planejamento urbano que leve em conta necessidades de transporte e segurança para mulheres acaba tornando a cidade mais segura e acessível para todos os grupos de pessoas. Isso vale mais ainda com o aumento da divisão de tarefas domésticas entre homens e mulheres.
“Se perguntar ‘uma mulher se sentiria segura andando aqui à noite?’ e obter uma resposta positiva provavelmente significa que a maioria das pessoas se sentiria confortável usando aquele espaço. Mulheres podem ser usadas como um termômetro para segurança e outras prioridades em planejamento.”
As iniciativas para mudar esse panorama incluíram mulheres nas equipes de planejamento urbano, conduziram pesquisas para avaliar como elas usam a cidade e planejaram mudanças para tornar o espaço urbano mais igualitário.
Viena: Decisões de planejamento baseadas nas necessidades das mulheres
Em 1999, a cidade de Viena perguntou a seus moradores como eles usavam o transporte público. O resultado foi que mulheres demoravam muito mais para responder o questionário.
O motivo: os trajetos percorridos por elas eram muito mais variados e incluíam mais desvios para levar e buscar os filhos na escola e fazer compras. Elas usavam mais transporte público e caminhavam mais do que os homens.
Outra observação de política de igualdade do uso de espaço urbano da administração de Viena foi que, depois dos 9 anos de idade, o número de meninas usando os parques da cidade se reduzia drasticamente, enquanto o número de meninos permanecia constante.
A conclusão foi que as meninas se impunham menos quando surgia uma disputa por espaço no parque – por isso, em uma discussão sobre quem usaria uma quadra, por exemplo, os meninos tinham mais chance de ganhar.
Com essas questões em mente, a administração local tomou decisões de acessibilidade, segurança e planejamento para facilitar o trânsito e a permanência de mulheres na cidade.
Políticas públicas de urbanismo que tornaram Viena mais igualitária
ILUMINAÇÃO
A prefeitura da cidade decidiu ampliar a iluminação pública para tornar as ruas mais seguras à noite.
CALÇADAS
Os passeios foram alargados para comportar de maneira mais adequada o uso de carrinhos de bebê ou de compras.
RAMPAS
Para melhorar o acesso de moradores e usuários de carrinhos de bebê, escadas ganharam rampas.
PARQUES
Para tentar resolver o problema do número menor de meninas do que meninos nos parques, a administração incluiu a construção de espaços mais variados para prática de esportes e de subdivisão de áreas abertas em bolsões semifechados, menores.
Segurança é fundamental para a inclusão
A divisão das Nações Unidas para direitos das mulheres (UN Women) lançou, em 2010, uma iniciativa chamada “Cidades e espaços públicos seguros”, que destaca a importância da segurança para promover igualdade de gênero no espaço público.
Principalmente nos países onde a violência contra a mulher tem índices muito altos, esse acaba se tornando o primeiro empecilho para que elas usem as ruas de maneira igualitária. O assédio e o risco de estupro fazem com que mulheres evitem determinados caminhos e tipos de transporte dependendo da hora do dia e moldam o mapa urbano para elas.
“Homens ocupam o espaço [público] de maneira bem diferente. Homens escolhem um caminho porque ele é mais interessante e eles podem passear.”
Algumas decisões de planejamento urbano acabam forçando mulheres a situações ainda mais inseguras. Em Nova Delhi, na Índia, a cidade onde há mais estupros comparado ao número de mulheres no país, a ONG Jagori observou que a falta de lixo ou água nos banheiros públicos femininos fazia com que mulheres se dirigissem a terrenos baldios ou bosques para jogar fora absorventes usados, espaços onde ficam mais vulneráveis a agressores.
A Jagori também notou que o medo de usar banheiros públicos inseguros sozinhas também acaba gerando uma reação em cadeira que afeta diretamente a saúde pública: mulheres bebem menos líquidos e têm mais consequências como infecção urinária.
A iniciativa mais recente da ONG é o Safetipin, um aplicativo para smartphone que ajuda a mapear colaborativamente as áreas mais seguras e inseguras da cidade. No app, os usuários podem avaliar os locais levando em conta fatores como o equilíbrio do uso do espaço entre homens e mulheres, a ausência ou presença de calçada, a segurança e a impressão geral.
Acesse no site de origem: Por que cidades feitas para mulheres são mais igualitárias, por Ana Freitas (Nexo, 06/05/2016)