(Folha de S.Paulo, 16/05/2016) Cecília Benazzato, 25, e Nathalia Almeida, 21, ainda nem se formaram na faculdade. Isso, no entanto, não impediu que elas conquistassem algo que muitos pesquisadores de longa trajetória não têm: um artigo na revista “Nature”.
Os parentes e os amigos sem muito contato com a área acadêmica nem sempre entendem o que isso significa, mas vou arriscar uma metáfora futebolística: é como marcar um gol na Copa do Mundo.
Elas fizeram parte do grupo que publicou, na última semana, o estudo que mostrou, pela primeira vez, que a infecção com vírus da zika pode causar microcefalia em um modelo experimental animal (camundongos). O leitor caiu de paraquedas no assunto? Leia o post do Cadê a Cura? a respeito.
Antes de embarcarem na jornada que resultou na memorável publicação, cada uma tinha seu projeto, e eles não tinham nada a ver com zika. Cecília conta que sempre teve um fascínio por neurociência, particularmente por autismo e Alzheimer –a doença neurodegenerativa seria tema de sua pesquisa. Nathalia tinha a ideia de estudar culturas de células neuronais na forma de agregados conhecido como neurosferas (pequenas bolotas de neurônios), entender melhor e caracterizar esse modelo experimental.
O mundo delas virou de cabeça para baixo quando, alguns meses atrás, a professora da USP Patrícia Beltrão Braga, resolveu mudar a linha de pesquisa de todos os seus alunos. O autismo, as neurosferas e o Alzheimer ficaram de lado para dar lugar ao vírus da zika e sua ligação com a microcefalia.
“É a hora dos cientistas brasileiros brilharem”, teria dito a professora a seus orientados.
MUDANÇAS
E deu no que deu. Mas a jornada ate lá, afirmam as jovens alunas, não foi fácil. Cecilia largou o trabalho na área de TI para poder frequentar o laboratório de dia e a faculdade à noite; Nathalia mudou de casa, de Guarulhos para perto da Cidade Universitária (zona oeste da capital), para não perder tempo com deslocamento. Em ambos os casos, foram escolhas financeiramente custosas.
Após o início da força-tarefa da zika, o bicho pegou. “Muitas vezes a gente entrava às 7h e saia só meia-noite”, relata Nathalia.
“A gente perdeu a liberdade de ‘poder errar’, que um aluno de iniciação científica geralmente possui –tínhamos de fazer tudo muito concentradas para evitar atrasos na publicação”, conta Cecília, que diz ter perdido algumas aulas por causa dos experimentos.
Foram várias indas e vindas, com sucessivas reanálises e novos experimentos, sempre contra o relógio. A revista recebeu o artigo pela primeira vez em 8 de março de 2016, a publicação saiu dois meses depois, no dia 11 de maio. Não é tanto tempo, mas, tratando-se de uma área competitiva e de interesse internacional como a zika, qualquer atraso pode significar a obsolescência.
As intrépidas graduandas de biomedicina (Nathália é da Unifesp e Cecília, da FMU) ficaram responsáveis pela manutenção das neurosferas e dos minicérebros (organoides cerebrais, leia mais aqui) usados na pesquisa. Elas também cuidaram da confecção das figuras do artigo científico.
Outra parte que ficou por conta das meninas foi a extração de RNA de células nervosas. “Eu ia dormir e fica pensando em RNA, Trizol [reagente usado para extrair RNA]…”, diz Nathalia. “Aluno de Iniciação Científica não tem muita experiência… Eu fiz o que pude, dei minha vida. Tinha uma doutoranda responsável, a gente fazia de tudo para ajudar: extraia [RNA], quantificava, limpava o laboratório, acompanhava…”
As duas se consideram “sortudas”, por terem estado no lugar certo, no momento certo –não é sempre que surge a oportunidade de participar de um “projeto expresso” que tem chances de publicação na “Nature”. Elas foram parar no laboratório da professora Patrícia por indicação de colegas que já haviam passado por ali.
INGLATERRA
Para o futuro, Cecília planeja continuar os estudos na USP. Ela deve se formar no final do semestre e fazer a prova de seleção para o mestrado.
Nathália planeja se formar no final do ano, embora não tenha nem começado o projeto de caracterização das neurosferas, que seria seu TCC. Vai ficar um pouco corrido, mas ela acredita que dá tempo.
Depois, ela pretende voltar para a Inglaterra, onde estudou pelo programa Ciência sem Fronteiras por um ano, na Universidade de Sheffield. “Lá, o pesquisador não precisa esperar por reagentes e material de pesquisa –dá pra compeçar um projeto no mesmo dia em que você tem a ideia”.
Para se manter no exterior, ela deve buscar financiamento de agências de fomento ou de pesquisadores que dispõem de verba já aprovada, “Agora, com a ‘Nature’ no currículo, as chances aumentam”.
Por Gabriel Alves, Blog Cadê a Cura/Folha de S.Paulo
Acesse o site de origem: Elas nem acabaram a faculdade e já publicaram um artigo sobre zika na ‘Nature’, por Gabriel Alves do Blog Cadê a Cura (Folha de S.Paulo, 16/05/2016)_