(R7, 16/05/2016) Neuropediatra explica como se sentem os bebês afetados pela epidemia de zika vírus.
Nas imagens amplamente divulgadas como retrato da microcefalia no Brasil, grande parte dos bebês aparece chorando. Nas entrevistas com os pais das crianças, relatos sobre a irritabilidade dos filhos também são uma constante. Estas características, que padronizam as pequenas vítimas de uma das mais graves consequências da epidemia de zika vírus no país, têm uma explicação neurológica e pouco animadora: durante a formação do cérebro delas, a ação do vírus é impetuosa, acabando com os neurônios e destruindo, junto com suas habilidades, também suas chances de um desenvolvimento saudável.
“O problema não é a microcefalia em si, mas, sim, o cérebro que não cresceu, porque foi devorado pelo zika”, explica o neuropediatra José Salomão Schwartzman, da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo.
— Ele tem uma atração muito especial pelo sistema nervoso, então vai para o córtex cerebral, que é a parte mais importante do cérebro, e provoca morte neuronal disseminada. Com isso, você tem um cérebro menor, com estruturas danificadas.
Deste processo surge, por exemplo, o choro constante, que Schwartzman chama de “choro neurológico”. Embora típico e frequente, ele não tem um motivo claro, de acordo com o médico, e é difícil de ser controlado.
— Até onde sabemos, as crianças não sentem dor, mas sentem uma irritabilidade muito grande. É um choro que os pais dificilmente conseguem apaziguar. Eles põem no colo, balançam, e isso até induz a uma certa tranquilidade, mas não são todas que ficam mais calmas assim, e é algo que também não dura muito tempo.
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O neuropediatra participou de uma expedição a São Luis do Maranhão junto com outros colegas, na tentativa de criar um protocolo de atendimento aos filhos de famílias atingidas pelo zika. Lá, examinou de perto 12 crianças microcéfalas por infecção do vírus.
— As crianças que vi são extremamente irritadas, não ouvem, não enxergam. Isso porque o vírus também tem uma atração pela retina, destruindo-a em um processo inflamatório impossível de ser corrigido com o uso de óculos. A surdez também não pode ser compensada com aparelhos, porque é um problema central, no cérebro. O vírus destrói as células receptoras para esses estímulos.
Além disso, há também um comprometimento motor severo. Schwartzman descreve as 12 crianças como bebês que “praticamente não se mexem”, exceto durante os episódios de movimentação involuntária causada pelas crises convulsivas que os acometem.
Entre os casos observados pelo neuropediatra, há ainda outro padrão. A partir do terceiro ou quarto mês de vida, as crianças começam a apresentar uma forma grave de epilepsia chamada síndrome de West, responsável por 2% de todas as epilepsias da infância e que provoca centenas de convulsões diárias.
Por ser bastante resistente, a síndrome exige tratamento com medicação forte, que acaba por baixar a resistência da criança, tornando-a mais suscetível a infecções — isto em um quadro já complicado, por se tratar de pacientes fragilizados e que, como conta Schwartzman, podem morrer por doenças respiratórias e mesmo pelas próprias convulsões, caso sejam prolongadas por mais de 15 minutos.
— São convulsões muito leves, como se fossem ‘sustos’ que a criança toma. Frequentemente, os pediatras confundem os episódios com dores abdominais, porque a criança cruza os braços sobre a barriga durante a crise. Agora, imagine a aflição de uma mãe ao ver seu filho convulsionar 150 vezes por dia. Esse grupo de crianças precisa de um acompanhamento médico muito rígido.
Os efeitos do zika sobre o cérebro são, a princípio, similares aos de outras infecções pré-natais, como a toxoplasmose, o citomegalovírus e o HIV — tanto que, em exames de imagem como o raio-x, as calcificações deixadas pelo zika não podem ser distinguidas das que os outros vírus causam.
No entanto, na prática os efeitos negativos do zika costumam ser bem mais devastadores, com uma combinação infinita de lesões. “A microcefalia do zika é mais grave porque a doença é muito severa”, avalia Schwartzman.
— A microcefalia sempre existiu, por milhares de causas. Só que o problema não é o tamanho da cabeça, mas, sim, o porquê de ela estar desse jeito. O crânio de um bebê é constituído basicamente por cartilagem, e tem umas aberturas chamadas de suturas. Ele cresce principalmente por indução do crescimento do cérebro. Então, se você tiver qualquer problema neste órgão que faça com que ele cresça menos, a cabeça vai ficar menor.
Marcella Franco
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