(Portal Amazônia, 31/05/2016) Conceito de violência não parte necessariamente da agressividade, explica o pesquisador na área de Violência Sexual, Natã Souza
“Eu estava lá. Deu vontade, não sei. Fiz”. Na sala, durante uma conversa com um acusado de Abuxo Sexual, a fala saiu com normalidade. Quem relata o caso é Natã Souza, pesquisador, na área de Violência Sexual, um dos especialistas condutores de uma reunião chamada Grupo de Autores, em Manaus.
A normalidade em si surpreende. Afinal, qualquer que seja o abuso, dizer que a única motivação é a possibilidade parece um quanto incoerente. Na semana em que um estupro cometido por 33 homens a uma menina de 16 anos chocou o país, o pesquisador amazonense afirma: a forma como homens são construídos na nossa sociedade, faz com que eles acreditem que a violência lhes é acessível.
De acordo com a pesquisa, “Os autores de abuso sexual realizam tal ato baseados num suporte de noções de ação e direitos tidos como masculinos, construídos pela história, cultura, educação e nível de desenvolvimento das políticas públicas”, a masculinidade é ponto central para entender porque a maioria dos abusadores são homens.
O que é violência?
Homens desde pequenos são ensinados a agirem com violência. O conceito de violência não parte necessariamente da agressividade. Violência acontece quando uma pessoa age sem o consentimento de uma pessoa para conseguir o que quer. Dessa maneira, brincadeiras que, aparentemente, não são violentas, como garotos beijando garotas a força, balizam homens desde cedo a acreditar que podem agir dessa maneira.
Raewyn Connell é uma pesquisadora australiana que, em sua obra Masculinities, publicada em 1995, define masculinidade como “uma configuração de prática em torno da posição dos homens na estrutura das relações de gênero”. A autora ainda afirma que existe um modelo hegemônico de masculinidade que “é tão predominante que muitos creem que as características e condutas associadas ao mesmo sejam ‘naturais’.
Grupo de Autores
Os membros do Grupo de Autores são pessoas que foram acusadas de abuso, mas por falta de provas, ou a retirada da queixa não vão para o sistema prisional. O método utilizado pelos psicólogos que assistem o grupo de Autores é baseado na Teoria de Papéis. A teoria propõe um “esclarecimento” sobre os papéis que exercemos no cotidiano. Acredita-se que quanto mais clareza se tem sobre cada papel exercido na vida, maior é a capacidade de controlar ações impensadas, como o abuso sexual.
De acordo com a pesquisa muitos deles, principalmente os mais ‘veteranos’ no grupo, passam a entender o quanto o papel de masculinidade formulado pela sociedade exerceu forte influência nas decisões de violência que eles tomaram na vida, seja contra mulheres, familiares ou crianças.
“Um deles passou a anotar no final do dia todas as coisas que fez e tenta analisar quais comportamentos eles não gostariam mais de ter, como proibir as filhas de sair da maneira que gostariam, ou de ser autoritário em casa. A partir dessas anotações, ele modifica a forma como agia”, disse Natã.
Masculinidade e Afeto
Aos poucos eles passam a entender que não precisam mais agir de acordo com o papel masculino que eles mesmos se cobravam. Esse processo compreende os atos de assumir a responsabilidade pelo abuso sexual, cuidado do afeto e cuidado ativista, segundo a pesquisa.
No início, o comportamento dos novatos é de negar o fato, dizendo ser parte de um engano ou diminuindo o potencial violento do ato. Com o tempo eles passam a assumir a responsabilidade e sociabilizar culpa e outros sentimentos, antes negado pelo papel de masculinidade que exerciam.
“Um soldado tem a permissão de chorar: é assim que um dos autores conta que sua mãe saiu do hospital, e agradece emocionado ao apoio do grupo. Sua fala, que começa dura no agradecimento formal, transforma-se num desabafo de saudades da mãe, que mora no Sul do Brasil. Um autor acolhe o outro. A batida nas costas ganha certa leveza ao cuidar do choro. Todos na reunião ficam emocionados. Nos relatos, o cuidado do afeto está muito associado a alguma mudança que a metodologia do Grupo de Autores provoca e, passando principalmente, pelo reconhecimento de si como autor da violência”, diz a pesquisa.
O cuidado ativista acontece quando o autor acaba demonstrando, de alguma forma, um esforço para que homens também não cometam mais Abuso Sexual. Dessa forma, o autor é também um ativista pelo fim da categoria.
Falar sobre o assunto
Ao final, a pesquisa diz que “observar o abuso sexual a partir do abusador, destacando noções de masculinidade, reforçamos que os responsáveis pelo abuso sexual são aqueles que o fazem. Promover políticas contra o abuso sexual significa ensinar a não abusar, não violentar, conscientizar acerca do direito que cada pessoa tem sobre seu corpo”.
Para o pesquisador, ainda estamos engatinhando em políticas públicas que lidem com os abusadores. “Ainda é um tema muito pesado para a sociedade. Mas aos poucos, em vários lugares do Mundo e do Brasil, práticas como essa têm sido adotadas e o futuro aponta para uma evolução”.
Isaac Guerreiro
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