(IstoÉ, 03/06/2016) Levantamento feito por ISTOÉ mostra que apenas 3% dos casos de violência sexual contra as mulheres terminam em condenações
Não fosse a troca de delegado no caso do estupro coletivo no Rio de Janeiro, um crime ocorrido em 21 de maio e que veio a público alguns dias depois, é provável que os agressores ficassem impunes. Com uma postura de questionamento da palavra da vítima e disposto a investigar seus antecedentes em vez de adotar essa conduta com os denunciados, Alessandro Thiers acabou afastado pelo Ministério Público do Rio por negligenciar o relato da adolescente violentada. Uma questão resolvida rapidamente graças à repercussão que o crime gerou. Estivesse fora dos holofotes, a investigação provavelmente entraria para uma preocupante estatística: 97% dos casos de estupro no Brasil não resultam em condenação.
Se comparada a estimativa de 500 mil agressões sexuais anuais à média de 13 mil pessoas presas pelo delito entre 2013 e 2014, somente cerca de 3% dos casos terminam com o acusado preso, segundo levantamento feito por ISTOÉ. O despreparo das autoridades faz os índices caírem drasticamente a cada passo do processo, que leva entre um e dois anos desde o registro de ocorrência à prisão do agressor. O recente episódio com o delegado Thiers ilustra bem esses indicadores.
Na cidade de São Paulo, capital brasileira com o maior número de registros de estupros anuais, a média de mulheres que foram à delegacia dar queixa entre 2013 e 2014 foi de 2,5 mil por ano, mas só cerca de 800 dessas notificações viraram inquéritos policiais. O decréscimo ocorre porque o crime de estupro exige que a vítima reafirme, em até seis meses após registrar o boletim de ocorrência, o desejo de o agressor ser processado. Muitas mulheres, porém, desistem de seguir com o processo.
É possível fazer isso no ato do boletim, mas é comum que as vítimas sejam desencorajadas. “No primeiro momento, elas costumam ser vistas como exageradas, histéricas. É assim na sociedade, vai ser assim na delegacia. Então, quem colhe o depoimento acredita que, no prazo estipulado, elas vão mudar de ideia e desistir”, afirma a defensora pública de São Paulo Ana Rita Souza Prata, coordenadora-auxiliar do Núcleo Especializado de Promoção dos Direitos da Mulher (Nudem). A denunciante, por sua vez, desestimulada e traumatizada pela violência que sofreu, de fato abandona o caso. “É o primeiro funil”, diz a defensora.
O segundo funil é o encaminhamento da investigação policial para o Ministério Público, a fim de que seja aberta uma ação penal. Entre 2013 e 2014, uma média de 211 casos evoluíram para processos judiciais na cidade de São Paulo, o que representa 8,44% dos registros iniciais. “Muitas investigações policias simplesmente não são concluídas.
Os agressores não são localizados e a denúncia morre ali”, afirma Ana Rita. Felizmente, o número reduzido de casos que chegam às mãos de um juiz dificilmente acaba em absolvição. “O crime é muito mal-visto no Judiciário e a regra é a condenação”, diz a advogada criminalista Priscila Pamela dos Santos.
Ao longo de todo o processo, porém, persiste um entrave para que o saldo de condenações seja mais alto: a dúvida sobre a validade da palavra da mulher como única prova. “Pelas circunstâncias do próprio crime, que acontece, regra geral, em espaço privado, não há outra forma de provar a não ser pelo depoimento”, diz Janaína Penalva, professora da faculdade de direito da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em direitos das mulheres.
“É difícil esperar que a polícia, o Ministério Público e o Judiciário considerem o relato como deveriam, pois eles também operam sob estereótipos sexistas.” Para as especialistas consultadas, a solução para acabar com a impunidade no crime de estupro não passa por mudança na legislação, mas pela educação. E muito incentivo à discussão de gênero.
Camila Brandalise
Acesse no site de origem: Por que o estupro continua impune no Brasil (IstoÉ, 03/06/2016)