(Marie Claire, 09/06/2016) Regina Navarro Lins comentou reação a relatos de estupro publicados pela Marie Claire: “O estuprador precisa começar ser visto como uma pessoa inferior e covarde”
Duas semanas após o caso do estupro coletivo da adolescente de 16 anos vir à tona, o que se vê nas redes sociais e nos comentários de reportagens sobre o tema é quase tão chocante quanto os fatos. Há muitas pessoas tentado culpar a vítima, responsabilizá-la e até mesmo ofendê-la, em um verdadeiro discurso de ódio.
Por acreditar que falar sobre o problema é melhor forma de combatê-lo, Marie Claire está publicando um depoimento de violência sexual por dia, durante 33 dias, entre eles, o corajoso relato da atriz Rachel Ripani, de 40 anos. Ela sofreu abusos de parentes e pessoas próximas à família, durante a infância, e também de desconhecidos, já na juventude. “Resolvi vencer o tabu e falar”, disse em seu perfil do Facebook, após a matéria ir ao ar.
“Você não está sozinha se já passou por isso. É possível superar. É possível ser feliz”, acrescentou Rachel. “E se ousarem ler os comentários, vão ver porque é necessário, imperativo, falar.”
Selecionamos alguns comentários postados no relato de Rachel: “Com esse conto erótico barato, ela conseguiu seus minutos de fama”; “Será que ela não sentia prazer?”; “Se ficou em silêncio é porque gostava”; “O que ela estava vestindo?”; “Ela pediu”.
Em entrevista à Marie Claire, Regina Navarro Lins, escritora e psicanalista do programa “Amor & Sexo”, da Globo, e “TV Mulher”, do Viva, comentou essa inversão de papeis. “Culpar a vítima é ignorância”, afirmou.
“Isso precisa acabar, é uma mentalidade distorcida. A mulher pode estar nua, e ninguém tem o direito de tocar no corpo dela.”
No contexto da cultura patriarcal, que reforça a dominação do homem e sob a qual vivemos, “é urgente que haja uma inversão de valores para que a violência contra a mulher deixe de acontecer. O estuprador precisa começar ser visto como uma pessoa inferior e covarde”, lembrou a psicanalista.
Estupro não é sexo
Consentimento e prazer são dois fatores que colocam em xeque qualquer comparação feita entre estupro e sexo. “Apesar de envolver um ato sexual, o prazer, neste crime brutal, está somente na humilhação do outro, no caso a mulher, e em uma falsa afirmação da masculinidade do responsável”, conta Regina. “Nada mais é do que um ato violento. Está na hora do estupro ser levado a sério.”
E, para ela, tratar o criminoso como um doente mental é ingenuidade. De acordo com a psicanalista, o ato pode ser resultado de uma “relação patológica” entre o culpado e a vítima. “Porém, o estuprador pode ser qualquer pessoa, fruto de uma sociedade permissiva em relação à violência contra a mulher. É uma questão cultural, não uma patologia individual”.
Segundo estimativa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão vinculado ao Governo Federal, 500 mil casos de estupro acontecem anualmente no Brasil. Entretanto, apenas 50 mil são denunciados. Desse total, 24% dos agressores são pais ou padrastos; 32% amigos ou conhecidos.
Para virar o jogo desta alarmante realidade, Regina acredita na força do movimento feminista e no engajamento de homens e mulheres. “O feminismo nada mais é do que a luta pela igualdade de direitos, enquanto o machismo diz respeito à dominação da mulher”, define ela que faz coro às vozes vindas das ruas: “Machismo mata, feminismo liberta”.
“Ainda existe muita ignorância e desinformação em relação a isso. Os homens precisam de uma vez por todas recriminar os amigos e parar de espernear contra as feministas.”
Defensora da orientação sexual, ela acredita também na importância do assunto ser tratado nas escolas. “A sexualidade ainda é muito reprimida. Há dois mil anos, quando o Cristianismo surgiu, o sexo passou a ser encarado como uma coisa abominável. Por isso, é evidente a importância da educação”, pontua. “Sexo é prazeroso e benéfico, não sujo e perigoso. Neste caso, é crime. Desde a infância, as pessoas aprendem que para ofender alguém é preciso recorrer a xingamentos que carregam um teor sexual. É uma mentalidade que precisa mudar imediatamente.”
Para Regina, é importante também o papel do governo na criação de campanhas que “desvalorizem homens agressivos” e que as autoridades parem de tratar este tipo de violência com pouco caso. Estupro é um ato indefensável e injustificável.
“Ah, mas ela transava com todo mundo”, pois que transe com quem quiser. Consentimento é a palavra de ordem em tempos tão brutais.
Acesse no site de origem: Para especialista, estupro “é uma questão cultural, não uma patologia individual” (Marie Claire, 09/06/2016)