(Diario de Pernambuco, 11/06/2016) A banalização dos estupros diz muito do nível de tolerância dos brasileiros a este tipo de violência, sobretudo em época de grandes dificuldades na economia e na política. Os sacolejos nos dois pilares que mais afetam a vida do cidadão comum, tornam-se, então, desculpa perfeita para a postura de quase inércia do poder público diante da barbárie que a cada dia ganha um pouco mais de robustez.
Afora o caso da jovem carioca estuprada por 33 homens, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, cujos registros audiovisuais do crime foram parar na internet, em menos de um mês o estado do Piauí produziu três episódios que ficaram famosos pelos requintes de crueldade. Num deles, as quatro adolescentes, depois de violentadas e feridas, foram atiradas de cima de um penhasco com mais de dez metros de altura. Naturalmente, a impunidade (ou quase) também é uma decorrência do nível de tolerância da população e, por via indireta, termina por funcionar como estímulo a novas práticas. Um círculo cruel que recrudesce como se o fim da Idade Média estivesse ainda muito distante.
Contra a onda de selvageria que se nega a enxergar as mulheres como donas dos próprios corpos e destinos, o país precisava estar dando demonstrações diárias de indignação. Muito mais barulhentas, até, do que aquelas que encheram as ruas de várias cidades, recentemente, como reação ao estupro coletivo do qual foi vítima a adolescente carioca. Seria necessário virar o jogo, obrigando o poder público a trocar a leniência pelo rigor, contra, inclusive, pessoas que transformam a visibilidade profissional em estímulo a este tipo de crime. Caso do MC Biel, que, diante da repercussão da denúncia, acabou tendo que pedir desculpas públicas por frases machistas ditas à repórter de um portal de notícias, durante entrevista. E ontem, os músicos MC Carvão e Professor Aquaplay, da dupla de rock UDR, foram condenados em primeira instância pela Justiça mineira por incitação ao crime e discriminação. Segundo a denúncia do MP, as letras estimulam estupro de vulnerável, homicídio, uso de drogas e o preconceito religioso. Nos dois casos, os acusados disseram que a intenção era apenas brincar. Mas não se pode usar da comicidade quando seis estupros são praticados por hora e 420 casos de violência sexual denunciados a cada 72. Brincadeira tem hora e, mais ainda, quando o assunto é tão grave.
Acesse no site de origem: Todo o rigor contra a onda de estupros, editorial do jornal Diario de Pernambuco (Diario de Pernambuco, 11/06/2016)