(Blog do Noblat, 11/06/2016) Na Argentina, a maioria das mulheres que sofre este tipo de violência conhece ou convive com seu agressor, tem menos de trintas anos
Na sexta-feira passada, milhares de pessoas marcharam nas ruas de Buenos Aires, do Congresso até a Plaza de Mayo, em um outono excepcionalmente frio no país. Mulheres, homens, crianças, vítimas, parentes de vítimas se juntaram para protestar contra a violência de gênero na Argentina.
Entre eles estava Catarina Carvalhaes. Olhos marejados, cartaz em punho, Catarina conhece bem a liturgia dos protestos. Há um ano ela luta para que se faça justiça pela morte de sua filha Suhene Munoz, que morreu oito meses após uma surra dada pelo namorado argentino Damian Loketek, por complicações.
Na mesma marcha estava Mauricio Rosso que há um ano pede que o assassino de sua mãe e irmã, detido no Brasil depois da fuga, seja julgado por seus crimes. Mauricio e Catarina, argentino e brasileira respectivamente, são duas caras de uma mesma moeda: uma violência que atinge milhares de mulheres todos os anos no continente, um problema que cruza fronteiras.
Eles são ainda um retrato em câmara lenta de um crime que se perpetua em diversas instâncias: o julgamento da sociedade que desconfia da vítima, o descaso nas delegacias, o ombro frio dos hospitais, a conivência das autoridades, a morosidade do judiciário, a impunidade dos criminosos e a relativização do problema. Trata-se de selvageria que vem ganhando notoriedade depois que casos de violência contra a mulher chocaram o Brasil e a Argentina.
No entanto, essa modalidade de crueldade não é nova. Na Argentina, uma mulher é morta a cada 30 horas, vítima da violência de gênero. O Brasil tem um lugar de destaque nessa nefasta olimpíada de feminicídios: ocupa o quinto lugar no ranking mundial.
Na Argentina, a maioria das mulheres que sofre este tipo de violência conhece ou convive com seu agressor, tem menos de trintas anos e já reportou algum episódio de violência às autoridades. Ou seja: a maior parte desses crimes poderia ter sido evitada.
Na Argentina ou no Brasil, a sensação de déjà vu é a mesma. Por isso, a marcha “ni uma menos” vem alertando para os perigos da conivência com o machismo na região.
Na sexta-feira, centenas de cartazes levavam fotos de vítimas que dão testemunho dessa barbárie: morreram porque eram mulheres, porque não foram escutadas, porque nas delegacias são questionadas ou porque não receberam a atenção médica necessária.
E essa violência vem crescendo, apesar dos gritos de socorro. O Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe, da CEPAL, registrou 2.500 feminicídios na região entre 2014 e em 2015, ou seja, 800 casos a mais que no ano anterior.
São dados que ganham vida e suscitam protestos nas ruas de Buenos Aires.
Gabriela G. Antunes
Acesse o PDF: Cartas de Buenos Aires: Nenhuma a menos (Blog do Noblat, 11/06/2016)