(Marina Pita e Tainah Fernandes/Agência Patrícia Galvão*, 15/06/2016) A notícia de que na terça-feira (14) a comunidade indígena Guarani-Kaiowá sofreu mais um atentado violento – que desta vez resultou na morte de um jovem e de uma criança, além de vários feridos – indignou as organizações de direitos humanos que atuam no Brasil. Nesta quarta-feira (15), entidades pressionam por um posicionamento e resposta do governo federal, governo do Mato Grosso do Sul e órgãos internacionais por meio de declarações públicas.
Pelo que se sabe até o momento, o ataque foi organizado por fazendeiros da região de Caarapó, no Mato Grosso do Sul, em razão da disputa por territórios já declarados como indígenas. As primeiras notas públicas sobre o caso fazem referência a somente uma morte, de Clodiodi Rodrigues Souza, 26 anos; a criança de 12 anos, gravemente ferida no ataque, veio a falecer pouco depois.
As primeiras reações
A relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), Erika Yamada, enviou ainda ontem (14) um comunicado à Relatora Especial da ONU sobre Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, denunciado o massacre contra a comunidade Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Na nota, Yamada pede à ONU que cobre dos governos e órgãos brasileiros informações sobre as medidas tomadas até o momento para punir os responsáveis pelos crimes e prevenir que novas ações aconteçam.
“Considerando sua compreensão profunda e sensível sobre o assunto, acredito que será muito importante, para mostrar que a Relatoria Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas também está em alerta, solicitar informações dos governos Federal e Estadual (Mato Grosso do Sul) sobre as medidas tomadas para punir e prevenir tais ações, bem como a considerar no seu relatório”, escreveu a relatora da Dhesca, afirmando a importância de dar visibilidade ao acontecido para evitar novos ataques. “Há rumores de que novos ataques estão prestes a acontecer”, frisou Erika Yamada em seu comunicado.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) informou à Agência Patrícia Galvão que uma comissão de deputados, que integram a Comissão de Direitos e Minorias da Câmara, está se dirigindo ao local do massacre, Caararó (MS), para acompanhar a situação e exigir proteção e apuração das ações violentas perpetradas ontem.
Além disso, o Conselho, que tem apontado o desrespeito sistemático aos princípios internacionais de garantia de direitos humanos na região, está processando dois pedidos – de apuração do caso e garantia de segurança à população – e também está em vias de aprovar uma nota à Organização das Nações Unidas (ONU). “Já está tudo com a mesa diretora e esperamos ter a aprovação ainda hoje”, afirmou Adelar Cupsinsli, representante do Centro Missionário Indígena (CIMI).
O CIMI publicou nota denunciado a violência contra a população Guarani-Kaiowá. “Em filmagens feitas pelos próprios Guarani e Kaiowá é possível ver uma centena de homens armados, queimando motos e demais posses dos indígenas. A maioria dos indivíduos está vestida com um uniforme preto; nas filmagens, é possível ouvir gritos de: “Bugres! Bugres!”, forma pejorativa usada para se referir aos indígenas na região sul do país. Caminhonetes circulam como moscas ao redor dos homens de preto e das enormes fogueiras usadas para incendiar tudo o que antes era o pouco que estes Guarani e Kaiowá possuíam, além da terra tradicional pela qual mais um massacre contra o povo se registra”, diz a publicação.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) divulgou nota na noite de ontem (14) lamentando o ataque a indígenas da etnia Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e se comprometeu a atuar para esclarecer o assassinato e estabelecer diálogo com o Ministério da Justiça e outros órgãos pelo fim dos conflitos territoriais na região.
“A instituição manifesta sua solidariedade ao povo indígena Guarani-Kaiowá e o compromisso de atuar na mobilização das autoridades de segurança objetivando a apuração de responsabilidades pelo óbito e pela lesão aos indígenas que se encontram feridos. A instituição encontra-se, nesse momento, dialogando com o Ministério da Justiça, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal para uma intervenção imediata na contenção do conflito na região”, diz o texto.
A Funai lembrou que os Guarani-Kaiowá lutam há décadas pela regularização de seus territórios tradicionais e criticou a retaliação violenta de fazendeiros locais. “A Funai condena toda e qualquer reação desproporcional embasada em atos de força e de violência contra o povo indígena.”
A Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai/MS) também lamentou o episódio e se referiu ao atentado como um ato “covarde”. O homem assassinado era um agente de saúde indígena.
O Ministério Público Federal solicitou ao Ministério da Justiça informações sobre as providências adotadas para resolver o problema e disponibilização de equipe pericial para colher todas as provas disponíveis, a fim de subsidiar a investigação criminal dos fatos.
A Anistia Internacional está em campanha para evitar que os indígenas da região onde ocorram os ataques sejam despejados das terras. Por meio de cadastro simples, os defensores dos direitos dos povos tradicionais podem enviar uma carta ao Ministério da Justiça.
Mesmo sob pressão pública, governos demoram a reconhecer gravidade do ataque
Procurada pela Agência Patrícia Galvão, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República preferiu não se manifestar. Em sua página na web, até as 17h da quarta-feira, nem uma nota sobre o assunto foi publicada. Na quarta-feira o Ministério da Justiça ainda não tinha nota pública em seus canais de comunicação. Questionada pela agência Patrícia Galvão, a assessoria do Ministério da Justiça e Cidadania informou que a pasta “autorizou o envio da tropa da Força Nacional para reforçar a segurança pública no município de Caarapó, no Sudoeste do Mato Grosso do Sul”. Segundo nota enviada à redação, “a Força Nacional irá auxiliar as Polícias Militar, Federal e Rodoviária Federal, a fim de restabelecer a ordem pública e preservar a incolumidade das pessoas e do patrimônio”. A decisão do Ministério da Justiça e Cidadania é uma resposta à solicitação do governo do Estado do Mato Grosso do Sul.
Em nota à imprensa, o governo do Estado do Mato Grosso do Sul classifica o ocorrido como confronto e centra as investigações em indígenas.
* com informações da EBC, atualizada 16/06/2016 às 17h30