(O Estado de S. Paulo, 21/06/2016) Pesquisadores mostram que as células de defesa migram para o local picado e favorecem o alastramento da zika e da dengue.
As picadas de mosquitos não provocam apenas coceira, inchaço e irritação: elas também ajudam os vírus da zika e da dengue a se multiplicarem, de acordo com um novo estudo liderado por cientistas britânicos.
Segundo os autores da pesquisa, a inflamação no local da picada pode ser um fator importante para explicar por que a dengue e a zika são assintomáticas em algumas pessoas e, em outras, tornam-se doenças graves, provocando hemorragias, má-formação e morte.
A pesquisa, liderada por Clive McKimmie, da Universidade de Leeds (Reino Unido), foi publicada nesta terça-feira, 21, na Immunity, revista científica do grupo Cell. Os pesquisadores agora querem descobrir se o uso de cremes anti-inflamatórios no local da picada do mosquito pode impedir a evolução da infecção.
Até agora, cientistas acreditavam que as diferenças observadas no grau de severidade de doenças como a dengue e a zika deveriam ser determinadas por variações genéticas nos vírus, ou nos pacientes. Mas, com inúmeros estudos sendo feitos em um esforço mundial para deter a epidemia de zika, vários resultados sugerem que o Aedes aegypti está diretamente envolvido na severidade das doenças.
Na última quinta-feira, 16, conforme noticiado pelo Estado, outra pesquisa feita por cientistas dos Estados Unidos e Bélgica mostrou que a saliva do Aedes aegyptitorna os vasos sanguíneos mais permeáveis, acelerando o alastramento do vírus.
Agora, os cientistas britânicos deram um novo passo ao mostrar que, com a introdução da saliva, a inflamação no local da picada também ajuda a replicação dos vírus, resultando em infecção mais severa.
“As picadas de mosquito não são apenas irritantes – elas são fundamentais para que os vírus se espalhem e causem a doença. Antes desse estudo, pouco se sabia sobre os eventos e processos que ocorrem no local das picadas”, disse McKimmie.
“Agora queremos estudar se medicamentos como cremes anti-inflamatórios podem impedir que o vírus estabeleça a infecção se forem utilizados com rapidez suficiente depois que aparece a inflamação produzida pela picada”, afirmou o cientista.
O estudo foi feito em camundongos. Segundo McKimmie, a saliva do mosquito, injetada na pele do animal no momento da picada, desencadeia uma resposta imunológica, atraindo certos glóbulos brancos (células de defesa do organismo) para o local da picada. Mas, em vez de ajudar a destruir os vírus, algumas dessas células de defesa são infectadas e acabam ajudando a replicá-los.
A equipe injetou diferentes vírus na pele de camundongos, com e sem a presença da picada de mosquito no local da injeção, para comparar as reações. Sem a picada do mosquito – e sem a inflamação que ela desencadeia -, os vírus não conseguiam se replicar muito bem. Já na presença da picada, foi observada uma alta taxa de replicação do vírus ainda na pele.
“Isso foi uma grande surpresa. Esses vírus não são conhecidos por infectar células do sistema imune. Além disso, quando nós fizemos com que essas células imunes parassem de se dirigir para o local da picada, a picada do mosquito parava de aumentar a infecção”, afirmou McKimmie.
Transfusão. De forma independente, cientistas brasileiros também já haviam contribuído para reforçar a ideia de que o mosquito tem um papel importante na exacerbação da dengue e da zika. A hipótese já havia sido proposta no início de junho, em um editorial na revista Journal of Infectious Diseases, por José Eduardo Levi, pesquisador da Fundação Pró-Sangue-Hemocentro, de São Paulo.
Membro da Rede Zika, uma força-tarefa dos cientistas paulistas para combater a epidemia no Brasil, Levi estudou a transmissão de zika por transfusão de sangue, entre várias outras questões. No editorial, Levi discute um aspecto que chama a atenção dos pesquisadores, no caso da dengue: a doença é quase sempre assintomática quando o paciente é infectado por transfusão de sangue.
“O mosquito injeta alguns microlitros de saliva contendo o vírus da dengue e, com isso, faz um verdadeiro estrago no organismo do paciente. Mas quando nós fazemos uma transfusão de mais de 300 mililitros de sangue contendo uma carga do vírus muito maior, praticamente não há efeito. Nunca houve um só caso registrado de morte por dengue transfusional”, disse Levi ao Estado.
Segundo Levi, a ausência da saliva do mosquito na transmissão por transfusão de sangue poderia explicar os casos assintomáticos. O que reforça a tese de que a saliva do Aedes aegypti pode mesmo estar relacionada à exacerbação dos sintomas.
“Esses novos trabalhos reforçam algo que já se suspeitava e que eram sugeridos por outras pesquisas: a passagem do vírus pelo mosquito e seu inóculo com saliva têm um papel importante na doença”, afirmou Levi.
Fábio de Castro – O Estado de S. Paulo
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