(O Estado de S. Paulo) “Na área desalentadora das emissoras públicas e estatais, acaba de surgir uma notícia que não é puro ranger de dentes: a TV Brasil promete que vai suspender a transmissão de missas católicas e cultos evangélicos. Aleluia, cidadãos!”, escreve o jornalista Eugênio Bucci comenta a decisão da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) de eliminar os programas religiosos de sua programação.
“Tirar uma celebração religiosa da TV brasileira será um pequeno milagre. É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que uma missa sair da grade de uma estação de TV no Brasil. Em verdade vos digo: as religiões, algumas fanáticas, outras meramente formais, não são apenas o ópio dos radiodifusores; elas são o bezerro de ouro – e ponha ouro nisso – de boa parte dos canais de rádio e TV, sejam eles públicos ou privados, com fins de lucro.”
“Em nosso país, religião e radiodifusão guardam laços antigos, quase pétreos, e a presença de pregadores na tela só faz aumentar. Basta olhar a paisagem. (…) Na Rede Record é difícil fazer os olhos não tropeçarem num bispo ou num pastor a cada hora – as bênçãos estão para a Record assim como os sorteios e loterias estão para o SBT. Daí para a frente, zapeando pela TV aberta, constatamos que a grande maioria das estações e das redes, ao menos uma vez por semana, abre as antenas para a propaganda religiosa, boa parte dela dirigida a captar doações do fiel telespectador.”
“Emissoras, públicas ou privadas, quando conduzidas por interesses ou critérios religiosos, contrariam as premissas do Estado laico e, mais ainda, afrontam a Constituição federal. Estão pecando contra as leis dos homens, por assim dizer, e constrangendo a liberdade religiosa dos cidadãos.”“À primeira vista, a afirmação parece um paradoxo, mas paradoxal é a situação que está aí. Alguém desavisado pode imaginar que a liberdade religiosa deveria permitir que cada religião fosse dona da sua própria rede de radiodifusão, mas não é assim que deve ser. É justamente o oposto. Para que todos tenham liberdade de culto as emissoras não podem estar a serviço de culto nenhum. Estações de rádio ou TV controladas por igrejas não ampliam, mas confinam a liberdade religiosa.”
“O raciocínio é muito simples. A radiodifusão é serviço público – nos termos da própria Constituição – e, como tal, assim como não pode estar a serviço de um partido político, não deveria servir a uma igreja. O Estado – e os serviços públicos por ele assegurados – deve ser laico. Não porque ele, Estado, queira propagar o ateísmo, mas porque, ao abraçar uma religião em particular, estaria oprimindo as outras. Só há a liberdade religiosa se o Estado não tiver religião alguma.”
Leia artigo na íntegra: TV pública é TV laica, por Eugênio Bucci (O Estado de S. Paulo)