(Cosmopolitan, 22/06/2016) Stephanie Ribeiro fala sobre racismo e apresenta o vídeo Espelho do Racismo, da Ong Criola.
Por muito tempo eu não tive coragem de me encarar num espelho, porque acreditava que eu era feia, incapaz, aquém dos demais. Cresci escutando que eu era macaca, feia, nojenta, preta fedida, isso entra nas suas estruturas, te marca e não saí nunca. O racismo é um problema social institucionalizado e coletivo, ele não é uma questão individual. Vivemos numa estrutura racista onde o indivíduo que detém privilégio ou o discurso da branquitude não tem vergonha de ser racista, ele se encara todo dia e acha que é uma questão de opinião, gosto, brincadeira. É isso que o documentário Espelho do Racismo da Ong Criola quer expor.
Não são só outdoors com as frases ditas na internet. É tornar fato que o que você faz/diz nas redes sociais, não fica só nas redes sociais. O racismo impacta para além dos comentários, ele machuca, ele fere, ele marca a narrativa de pessoas negras, pois estamos lidando com isso todos os dias. Não existe saída, não existe alternativa e não há inclusive pedido de desculpas que acabe com essa dor. Quando ofenderem Maju, realmente ofenderam todos nós. Assim como quando mataram Cláudia, Amarildo, Luana e ítalo, que morreu aos 10 anos; mataram um pouco de nós também.
É assim que o racismo funciona, ele é cotidiano e fere negros de diferentes idades, gênero, classe sociais. Ele se molda e pode ser aquela “dica” do seu colega de trabalho: “Alisa esse cabelo”. Ele se camufla quando é só aquele gesto de segurar a bolsa mais forte quando o jovem negro passa na rua. Ele constrói ou não relações, quando entendemos que mulheres negras são boas de cama e apenas isso.
O racismo ele está desde o genocídio da população negra provado por números, até na ausência dos tons de negro nas maquiagens. Então concordo, sempre que uma pessoa negra é agredida, todos nós somos. Entretanto reagíamos a isso de forma distinta. Tem pessoas que perdoam, tem pessoas que fingem que não aconteceu, tem pessoas que ficam deprimidas.
Acredito que temos que respeitar a subjetividade dos sujeitos negros, eu não sei se perdoaria tudo que já me fizeram, só que sei como dói. Assim como entendo que a mãe que passa o sangue do filho no rosto não vai querer perdoar o estado genocida que mata negros a cada 23 minutos. Mas há quem perdoe e temos que respeitar isso, há quem lute de forma combativa e quem não, há quem resista nas ruas e quem não. Entender essas individualidades é importante para combater a ideia sobre o que é ser negro e como agimos.
O documentário também é sobre isso, não acho que o perdão do agressor é o foco principal. Acho que a narrativa é mostrar que racismo está enraizado na nossa estrutura social e precisamos falar sobre ele, a palavra feia que insistimos em negar, o gesto que só atribuímos ao outro. Por isso um dos focos é expor o agressor. Entendo que muitos digam que não houve exposição, porém acho que não é uma surpresa agradável ter perto da sua casa um outdoor com uma frase racista que você disse, esse incomodo, essa ideia de forçar que a pessoa lide com o que ela fala, acho incrível.
Nós negros ainda temos muita dificuldade de agir, porque a lei é falha e engloba atos como esses em injúria e porque nos falta recursos. Fico muito feliz que Ong Criola tenha saindo das redes e tornado real a sua indagação do porque ainda aceitamos que o racismo seja naturalizado acreditando que a problema é o negro e não o racista, só mudando essa lógica que vamos fazendo com que as estruturas não se mantenham intactas.
No Brasil é normal ser racista, anormal é lutar contra isso.
Stephanie Ribeiro é arquiteta, escritora e feminista.
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