(El País, 26/06/2016) Levantamento de coletivo foi feito durante evento na Paulista e também na Caminhada Lésbica
Sem dúvida, este ano de 2016 já pode ser considerado um dos mais frenéticos da história recente brasileira. E entre outras definições fundamentais que ainda acontecerão, há as eleições municipais e a decisão definitiva sobre o destino da presidência da República. Como a população LGBT tem avaliado os acontecimentos da vida nacional e quais são suas preferências políticas? Organizada pelo coletivo Vote LGBT – em parceria com pesquisadores da USP, Unifesp e Cebrap –, uma pesquisa realizada durante a Parada do Orgulho LGBT, que aconteceu na última semana de maio, na capital paulista, tenta responder algumas dessas questões ao traçar um perfil político dos frequentadores do evento.
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Na esfera federal, o levantamento inédito, que ouviu 711 pessoas e tem quatro pontos de margem de erro para mais ou para menos, revela, por um lado, baixo apoio ao presidente interino Michel Temer e, por outro, um temor de que o atual Governo representará retrocessos para os direitos LGBT. Apenas 7% dos entrevistados disse acreditar que a “solução Temer” é a melhor para o país, enquanto 32% veem na volta de Dilma Rousseff à presidência a alternativa mais razoável e uma maioria de 53,7% têm na convocação de novas eleições as saída preferida. 56,5% concordam completamente com a afirmação de que o Governo Temer significará um retrocesso para a população LGBT e, ao mesmo tempo, uma maioria de 47,5% também não está satisfeita com as políticas LGBT durante os Governos Dilma.
“Depois do impeachment, vários grupos começaram a procurar nosso coletivo. Identificamos aí um reflexo claro de que havia uma preocupação com o cenário político brasileiro, mas é interessante notar que nem por isso as pessoas deixaram de ser críticas em relação ao Governo Dilma”, comenta o artista plástico Gui Mohallem, um dos integrantes do coletivo suprapartidário Vote LGBT. De fato, o baixo apoio ao interino Michel Temer não quer dizer, por exemplo, que a maior parte dos participantes da Parada esteve presente em protestos contra o impeachment. Enquanto 80% disseram não ter ido a passeatas pró-impeachment, 70,3% também afirmaram não ter ido a manifestações contrárias.
Contando com o trabalho de 60 voluntários pesquisadores, o levantamento traz outros dados interessantes sobre preferências políticas. O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que recentemente se tornou réu no STF por apologia ao estupro, por exemplo, é rejeitado por 84,1% dos entrevistados. Até aí, pouca novidade. Dados mais surpreendentes tratam do atual ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB) e da senadora – e virtual candidata à prefeitura de São Paulo – Marta Suplicy (PMDB). Enquanto ele tem uma rejeição de 71%, ela fica com 41,5%. O dado sobre Marta é ainda mais chamativo levando em consideração que ela é uma aliada histórica do movimento LGBT. Sobre a corrida municipal na capital paulista, não há pesquisa para esse ano, mas 60,2% declararam ter votado em Fernando Haddad (PT), em 2012, e 11,6% em Serra. Único representante declaradamente homossexual da Câmara dos Deputados, Jean Wyllys (PSOL-RJ), que nos últimos anos tem se batido contra a homofobia e projetos sexistas, tem “muita confiança” de 43,3% dos entrevistados.
Outro dado importante fala sobre a motivação por trás da Parada do Orgulho LGBT. Comumente retratada na mídia como um Carnaval fora de época, o evento, segundo 47,8% das pessoas ouvidas, tem conotação política. Quando confrontados com a pergunta: Por que você está aqui? A maior parte dos entrevistados mencionou alguma palavra relacionada a direitos conquistados, segundo André Chalom, estatístico da USP que participou do levantamento. Depois do atentado a uma boate LGBT, em Orlando, que deixou 50 mortos, o presidente americano Barack Obama disse algo que vai ao encontro da percepção do público da Parada: “O lugar onde foram atacados é mais que uma casa noturna – é um lugar de solidariedade e empoderamento onde pessoas se reúnem para se informar, se expressar e lutar por seus direitos civis”.
Em 2014, o coletivo Vote LGBT foi às ruas e às redes pela primeira vez com um objetivo: incentivar o voto em candidatos do legislativo com propostas de igualdade e respeito à diversidade. Para tanto, fizeram um levantamento de deputados federais, estaduais e senadores que defendiam plataformas claramente pró-LGBT. Os nomes, ligados majoritariamente a legendas de esquerda mas também a partidos como o PSDB, foram compilados em um site do coletivo. O que se viu naquele pleito já aparentemente tão distante, contudo, foi a eleição de um dos Congressos mais conservadores da história, marcado por três “bês”: o da bala, o do boi e o da bíblia.
Agora, com as eleições municipais, o grupo pretende fazer o mesmo levantamento, mas também conhecer melhor as aspirações, preocupações e preferências dos eleitores LGBT. “Hoje, uma maioria acredita que LGBT não deve necessariamente votar em LGBT. É isso que queremos reverter, porque só com políticas e programas aprovados no legislativo teremos avanços reais”, comenta Mohallem. Para ele, não adianta votar em um candidato simpático às causas LGBT no Executivo e eleger alguém que vá no sentido contrário no Legislativo. “Em São Paulo, por exemplo, o Fernando Haddad criou políticas boas, como a Transcidadania, mas isso é feito por decreto e um próximo prefeito pode extinguir do mesmo jeito que foi criado”, explica.
Segundo a pesquisa, a Parada é majoritariamente branca e 45% tem renda familiar mensal que varia entre 2.640 e 8.800 reais. 51,1% declararam que tem a cor da pele branca, 26,2% parda, 16% preta, 3,0% amarela ,1,1% indígena enquanto 2,5% não responderam. Um percentual de 36,8% dizem ter renda até 2.640 reais e 17,1% ganham até ou mais que 17.600 reais. Para Chalom, o levantamento não serve como uma representação da população LGBT como um todo, mas já é uma boa amostragem do movimento organizado brasileiro. “Estamos tentando cruzar dados sobre os LGBT no Brasil com o que descobrimos na pesquisa para expandir nossas descobertas, mas por enquanto é legal ressaltar que em comparação com manifestações pró e contra impeachment, por exemplo, a Parada está mais próxima de um quadro socioeconômico geral do Brasil. Nos dois primeiros casos, a presença de uma população branca, mais rica e mais escolarizada é ainda maior”, comenta.
Outro ponto fundamental do levantamento, para Mohallem, é desmistificar algumas ideias e pré-conceitos pouco fundamentados. “Falamos muito em voto evangélico, em bancada religiosa, mas é curioso que quase metade da Parada é formada por cristãos”, diz. Católicos, evangélicos e kardecistas juntos somam 45,7% do público do evento. Hoje, não existe nenhum dado preciso sobre a porcentagem da população LGBT no mundo, Brasil ou São Paulo. Contudo, há uma estimativa conhecida de que 10% da população mundial é homossexual.
“Esse dado é complicado porque não considera as complexidades das identidades de gênero e sexualidades”, diz Mohallem. Já para Nelson Soutero, assessor da Coordenadoria de Políticas para LGBT da prefeitura de São Paulo, a estimativa pode ser factível, já que em muitos levantamentos feitos sobre outras questões, quando se traça um perfil sobre gênero, a porcentagem gera em torno de 10%. “Fizemos uma pesquisa com a quase totalidade dos moradores de rua da cidade, por exemplo, e o dado que chegamos é bem próximo desse”, diz Soutero. Apesar de não haver uma confirmação exata sobre o número, o fato concreto é que a população LGBT tem cada vez mais voz na sociedade, inclusive como potente mercado consumidor. “Com a Vote LGBT queremos canalizar isso para um legislativo mais representativo”, diz Mohallem.
Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo
Um dia antes da Parada do Orgulho LGBT, uma pesquisa idêntica foi realizada na Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo. Com um público muito menor, a Caminhada, segundo a pesquisa aponta, tem um caráter mais político e com posições mais claras. 61,3% dos entrevistados, por exemplo, participou de alguma manifestação contrária ao impeachment de Dilma Rousseff e 57,9% querem seu retorno à presidência. “A presença feminina de 83,7%, contra um público mais dividido da Parada, com certeza também contra para esse grande apoio à presidenta”, comenta Chalom. Um ponto em comum nos dois eventos é a rejeição à Bolsonaro e Serra: 96,8% dos entrevistados não confia no primeiro e 91,2% no segundo. Foram entrevistadas 411 pessoas. Os levantamentos completos estão disponíveis aqui.
André de Oliveira
Acesse no site de origem: Pesquisa inédita na Parada Gay de SP: rejeição a Temer e metade de cristãos (El País, 26/06/2016)