(O Estado de S. Paulo) A antropóloga Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, analisa o caso das trigêmeas deixadas em um hospital de Curitiba (PR) com foco na mãe dos bebês. Leia abaixo trechos do artigo publicado no caderno Aliás:
“As trigêmeas foram o resultado de uma técnica que ainda não garante a singularidade do filho único. A simulação da natureza é exagerada pela medicina reprodutiva, mas com acréscimo de risco à saúde das mulheres e dos fetos.”
‘É no corpo da mulher que as tecnologias reprodutivas são ativadas. Não importa se a causa da infertilidade está em seu companheiro, é ela quem experimentará as rotinas de transferência embrionária, tomará os hormônios para preparar o útero, ou viverá os regimes de descanso e controle do ciclo menstrual.”
“Espantosamente, não sei nada sobre a mulher que gestou as trigêmeas – ela é a mãe das recém-nascidas até que a Justiça decrete o contrário. Li rumores sobre as decisões paternas: tamanho de família que toleraria (duas filhas e não três), preferências quanto ao fenótipo das filhas (ora a filha mais saudável, ora a filha com menor peso), ou mesmo a determinação de abandoná-las em grupo ou por unidade.”
“Mas seria demais perguntar: e a mãe? Não estou pedindo mais fissuras no sigilo já violado, ao contrário. Apenas chamo a atenção para algo que impede a compreensão deste caso e nos pede cautela e respeito a uma dor que não é nossa. O silêncio da mãe não pode ser ignorado para o julgamento público sobre o caso. As filhas saíram de suas entranhas há menos de três meses.”
“Essa mulher precisa ser cuidada: ela vive uma experiência solitária, que não é compartilhada como um evento da natureza por outras mulheres que experimentam a maternidade biológica, mas como um efeito colateral da medicalização da reprodução.”
“Meu sentimento privado de compaixão certamente se dirige às trigêmeas, mas não só a elas. Essas meninas, felizmente, estão sendo atendidas por equipes de saúde dedicadas que ampliam o senso de dever para garantir-lhes o direito a uma família. Mas me sinto também provocada pela dor solitária e silenciada dessa mulher. Se antes suas dúvidas talvez oscilassem entre o dever e o desejo da maternidade, agora a vergonha de si é um ingrediente perverso à tomada de decisão.”
Leia esse artigo na íntegra: E o que pensa a mãe?, por Debora Diniz (O Estado de S. Paulo – 10/04/2011)