(Observador, 04/07/2016) A Colômbia tem um surto de zika ativo, mas o número de casos de microcefalia é equivalente ao que teriam sem infeções com zika. Isto põe em causa a relação causa-efeito entre o vírus e a doença?
Um relatório do New England Complex Systems Institute (NECSI), em Cambridge (Estados Unidos), publicado no dia 22 de junho, coloca em questão se a infeção com o vírus zika é realmente uma causa para o aumento de casos de microcefalia, visto que noutros países, ao contrário do que se viu no Brasil, esse aumento não é tão significativo. Os especialistas contactados pelo Observador referem que os dados ainda não são suficientes para suportar esta afirmação.
A instituição norte-americana propunha que, como não havia um aumento do número de casos de microcefalia na Colômbia, apesar de existir um surto de vírus zika no país, isso poderia querer dizer que o zika, só por si, poderia não ser a causa do aumento do número de casos de microcefalia no Brasil. Os autores do relatório propõe duas alternativas para o aumento dos casos de microcefalia: a utilização do pesticida pyriproxyfen na água de consumo ou a combinação da infeção com o vírus zika e outro agente infeccioso.
“Não há dados epidemiológicos nem de laboratório que demonstrem uma relação entre a microcefalia e o químico pyriproxyfen. Enquanto a relação causal entre o vírus zika e a microcefalia é apoiada por vários estudos epidemiológicos e estudos de caso”, explica Matthew Aliota, investigador da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Wisconsin. O alerta sobre este pesticida já tinha sido levantado em fevereiro deste ano, por um grupo de médicos argentinos, mas também sem dados científicos para apoiar a afirmação.
“Considero que o relatório do New England Complex Systems Institute levanta uma questão interessante, mas também acho que é desnecessariamente alarmista sugerir que a causa da microcefalia pode ser um químico, especialmente sem dados de causa-efeito”, acrescenta Matthew Aliota.
Sobre o segundo ponto, uma interação entre diferentes vírus, o investigador refere que “não existe nenhuma evidência conclusiva de que é uma interação entre o vírus zika e outro vírus que resulta em microcefalia”. “É tudo especulação.”
O investigador português José Azevedo-Pereira, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, não descarta tão rapidamente esta possibilidade. “Se, por um lado, a associação entre o vírus zika e a microcefalia parece ser real, por outro, falta identificar exatamente em que condições a microcefalia é provocada.” Os dados parecem ser contraditórios, como acontece sempre que surge um “novo” vírus ou doença, e “só o acumular de mais dados poderão esclarecer estas e outras dúvidas”.
A infeção da grávida com o vírus zika não é condição única nem obrigatória para que o bebé venha a sofrer de microcefalia ou de outros problemas neurológicos. “Aparentemente será crítico se a infeção ocorrer durante o primeiro trimestre da gravidez”, diz Azevedo-Pereira. “Mas tem de haver outros [fatores], caso contrário apareceriam casos de microcefalia em quase todas as grávidas que se infetassem no primeiro trimestre, o que não se verifica.” A infeção conjunta com outros micro-organismos, como vírus ou bactérias, é sugerida pelo microbiólogo.
A altura em que as grávidas são infetadas parece ser muito importante no que diz respeito ao aparecimento de casos de microcefalia, como refere Matthew Aliota. No Brasil, os primeiros casos de infeção com o vírus zika foram detetados em maio de 2015, mas o aumento do número de casos de microcefalia só se começou a notar em novembro de 2015 – seis meses depois. Na Colômbia, os primeiros casos de infeção foram registados em outubro de 2015, portanto o as mulheres que estavam no primeiro trimestre de gravidez estarão a começar a ter filhos nesta altura.
De facto, um novo relatório do NECSI, este de 27 de junho, mostra que durante essa semana a Colômbia confirmou mais cinco casos de microcefalia – somando assim 11 no total. Os autores consideram que nas próximas semanas, e caso o zika seja mesmo uma causa de microcefalia, o número de casos aumente mais de 10 por semana, a julgar pelos dados do Brasil.
Mas Scott Weaver, diretor do Instituto de Infeções Humanas e Imunidade, da Universidade do Texas, lembra que os meios de diagnóstico na Colômbia não estão ao mesmo nível dos do Brasil. Portanto, e apesar de também ter ficado surpreendido com o baixo número de casos de microcefalia na Colômbia, o investigador refere que é difícil chegar a conclusões sobre o que pode estar a acontecer de diferente.
Outra das situações que ainda está por explicar é o aumento do número de casos da síndrome Guillan Barré – uma doença que afeta o sistema nervoso – na Colômbia. Sabe-se que está relacionada com a infeção com o vírus zika, mas “não é claro porquê”, refere Matthew Aliota.
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