Grupos de reflexão para agressores de mulheres ganham espaço no país

11 de julho, 2016

(Folha de S.Paulo, 11/07/2016) Em uma sala de um edifício público no Paranoá, uma das regiões do Distrito Federal, um grupo de 15 pessoas se reúne uma vez por semana para falar de violência doméstica. Mas não na perspectiva das vítimas que buscam apoio. Ali, a voz ativa é dos próprios agressores, encaminhados ao local pela Justiça –é possível ir também por conta própria.

“Temos que dar a cota-parte de responsabilidade dos homens. Só damos a nós mulheres a responsabilidade, seja de denunciar ou sair de uma relação abusiva. Mas e o homem? E o agressor?”, questiona a subsecretária de políticas para as mulheres do Distrito Federal, Lúcia Bessa.

A cota-parte a que ela se refere é trabalhada no Nafavd (Núcleo de Atendimento a Vítimas e Autores de Violência Doméstica), uma das iniciativas existentes no Brasil voltadas a autores de violência contra as mulheres.

Hoje, a estimativa é que haja ao menos 25 serviços semelhantes em nove Estados, de acordo com estudo feito em 2014 pelo professor Adriano Beiras, do departamento de psicologia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), que trabalha em novo levantamento sobre o tema.

A avaliação é que, embora ainda pontuais, grupos de reflexão e educação de agressores têm começado a ganhar espaço no país, embalados por discussões sobre a Lei Maria da Penha. A própria lei recomenda a medida como forma de “educar” contra a violência.

“Um homem que já agrediu uma mulher pode voltar a agredir outra se trabalharmos só com ela. Sem isso, é como se não fosse na raiz da questão”, diz o professor.

‘A CULPA É DELA’

A proposta, assim, prevê que agressores participem de encontros para discussão e reflexão sobre o motivo pelo qual chegaram ao local. O atendimento é feito por psicólogos e assistentes sociais.

O caminho até esses serviços, no entanto, varia conforme a iniciativa: em geral, é indicado por promotores e juízes para casos menos graves junto com outras medidas de proteção –como as que obrigam o afastamento da vítima.

“Eles chegam aqui raivosos. A maioria acha que não cometeu nada, até porque 50% das denúncias são de ameaça. Dizem: ela sabia que eu não ia matar”, conta Rebeca Rohfls, fundadora do Instituto Albam, de Belo Horizonte, um dos pioneiros a trabalhar o tema no país.

“Com o grupo, trabalhamos a conscientização desses homens”, completa a coordenadora, que lembra que muitos denunciados permanecem nos relacionamentos após a agressão. “É uma forma de proteger a mulher.”

Entre os temas comuns abordados pelos grupos, estão gênero, direitos das mulheres, paternidade, Lei Maria da Penha, entre outros. Esses encontros duram de quatro a seis meses.

A percepção da violência, no entanto, nem sempre é imediata. “A maior dificuldade é a cultura machista, que busca justificar a violência. Geralmente chegam e dizem: eu bati, mas ela me provocou”, relata Isabel Cristina Ribeiro, a coordenadora do Nafavd Paranoá.

Apesar da resistência inicial, o resultado final dos encontros é visto como positivo por participantes ouvidos pela Folha (leia texto abaixo). Ainda assim, segundo os coordenadores, há desafios.

“Um deles é a percepção da violência psicológica, que é sutil, invisível. Isso não acontece da noite para o dia”, diz o assistente social Ricardo Bortoli, que fundou há 13 anos um grupo voltado a autores de violência doméstica na Prefeitura de Blumenau. Outro é encontrar profissionais habilitados para trabalhar nessas iniciativas.

“Muitos psicólogos e assistentes sociais não se sentem preparados para lidar com essa demanda. Veem o homem só como bandido. Mas o homem autor de violência também é um homem comum que transita no nosso cotidiano.”

Para ele, a tendência é o país investir mais nessas iniciativas com a consolidação da Lei Maria da Penha. “A lei já prevê isso. Sem isso, a tendência é a violência continuar existindo com maior intensidade”, afirma Bortoli.

RELATO

Já se passaram cerca de seis anos desde a noite em que Maciel*, 38, embriagado, resolveu questionar a mulher. Suspeitava estar sendo traído. A conversa, porém, não terminou bem. “Não foi nada suave. Xinguei, falei um monte de palavrão. Eu tinha uma arma em casa, mas não tinha munição. Era uma espingarda velha, de roça. Fui lá e ameacei ela com a arma”, relata.

A mulher correu para o quarto dos fundos. Horas depois, enquanto Maciel dormia, a polícia apareceu em sua casa. Ele levantou assustado. “O policial me disse: se eu achar a arma, você vai preso”, conta. “E eu fui”.

Da prisão, onde esteve inicialmente por nove dias, e dos tribunais, dos quais recebeu uma pena e a determinação de não se aproximar da ex-mulher, Maciel se deparou neste ano em reuniões no Nafavd (Núcleo de Atendimento a Vítimas e Autores de Violência Doméstica), do Distrito Federal, um serviço voltado à reflexão e educação de homens que cometeram violência contra a mulher.

Após seis meses no local, diz ter mudado sua opinião sobre violência. “A maioria acha que é só quando bate na mulher”, diz. “Mas existem várias formas de violência. As pessoas acham que palavras não machucam.”

Aceitar a imposição em participar do grupo, porém, não é tarefa simples. “Tem um pouco de resistência”, diz. “Você chega e pensa que vai ser exposto, mas é um grupo de apoio. Tentei levar a sério e trazer algum ensinamento.”

“Saí com outra visão. Não que eu fosse violento antes. Mas se eu tivesse essa noção sobre a violência, não teria cometido isso”, relata.

OUTROS GRUPOS

Relatos como o de Maciel se repetem em outros grupos pelo país. Em Blumenau (SC), João*, que participa de um grupo mantido pela assistência social da prefeitura, chegou a pensar em recorrer à Justiça para suspender os encontros obrigatórios.

“No começo eu dizia que me arrependia de não ter batido nela [ex-esposa], porque não ia mudar nada, já estava tendo que responder à Justiça mesmo. No fim, decidi continuar e gostei.”

Os encontros acontecem a cada duas semanas. Homens ficam em roda, e as discussões são mediadas pelos coordenadores (na maioria dos grupos ouvidos pela Folha, o trabalho é liderado por um homem e uma mulher). “Não me considerava machista, mas vi que, em alguns aspectos, eu era”, relata.

Já Gustavo Mendes, 37, chegou a um instituto meses após uma discussão com a ex-namorada. “O que falei não lembro, mas a discussão foi muito forte”, relata ele. “Mandei ela sair do meu carro e a ofendi.”

Desde então, já se passaram dez reuniões com o grupo desde que recebeu a notificação do juiz: sua inclusão no grupo de reflexão seria parte do processo que responde por ameaça. “Foi um choque muito grande”, diz. “Hoje entendo que isso não deve ser feito. Passei a enxergar as coisas com mais tranquilidade.”

*Nomes foram trocados. Os depoimentos foram dados sob condição de anonimato

Natália Cancian

Acesse no site de origem: Grupos de reflexão para agressores de mulheres ganham espaço no país (Folha de S.Paulo, 11/07/2016)

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