(Superela, 08/07/2016) Recebi um convite para ir à Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), só que das meninas. Para ser mais precisa, a Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) – Unidade Feminina de Internação Chiquinha Gonzaga. Me enchi de coragem e fui lá.
A rua, com belas casas, já não condiz com a realidade que está ali do outro lado do muro. Entramos e deixei meu celular logo na entrada, por precaução de segurança da fundação. Todos os lados têm grades, paredes com cores neutras e desgastadas, é um lugar precário.
Encontro com as meninas
O lugar é precário, mas as meninas que chegaram maquiadas e sorridentes, não. Elas estavam ali, frente a frente comigo, e queriam ouvir o que eu tinha a dizer. A ansiedade e o sorriso fácil se assemelhavam a de uma criança que ganhou um brinquedo novo.
Não pudemos conhecer quais as infrações elas tinham cometido, mas quando a gente não sabe o “podre” de alguém a gente julga menos, a gente não tem pré-conceitos. E assim aconteceu na tarde inteira que fiquei com aquelas garotas que, com idades que variam entre 13 e 20 anos, estão presas, privadas de tudo o que nós temos. São coitadas? Não. São meninas que cometeram crimes, ou infrações, como o sistema prefere denominar. Mas todas ali têm sonhos e, de alguma forma, são parecidas nisso.
Durante nossa conversa com elas, foi perguntado como elas se imaginavam depois de sair de lá, e muitas responderam no impulso sobre quaisquer desejos e eles eram comuns à idade que elas têm, nada de extraordinário. Diante disso, vi que muitas não passam de meninas. Sim, meninas sonhadoras como quaisquer outras.
Percebi que todas são muito carentes. Muitas ficavam abraçadas, faziam carinho umas nas outras. Outras ficavam arredias, com cobertor no rosto, acho que para disfarçar a vergonha ou qualquer outro sentimento de exposição. Algumas têm o linguajar típico das comunidades periféricas, outras nem falam gírias e têm outro tipo de postura. Mas no final, todas são adolescentes que gostam de música, de bailes, de coisas comum à idade.
A precariedade é tanta que falei sobre minha profissão e elas não sabiam o que era marketing, outras queriam meus brincos, outras perguntavam quando íamos voltar, outras simplesmente me abraçavam. As profissões que elas conhecem é professor, advogado e juiz, me pareceu que eram somente essas profissões que existiam para elas.
Ouvi de uma das monitoras “para a maioria aqui não tem jeito, é muita violência por perto”. Eu quis rebater mas me contive, era minha primeira visita e não quis confrontá-la. Eu acredito que há solução para elas sim, mas as oportunidades são pequenas e não aparecem sempre. Na maioria das vezes, não há um espelho. O mais fácil é mais atraente, ou seja, o crime.
Na Fundação para as meninas têm homens
Sim, entre os monitores, têm homens das mais variadas idades e ele têm contatos com essas adolescentes todos os dias. Eles estão lá por toda parte e isso me incomodou. Fiquei me perguntando o motivo de ter homens ali em meio a tantas adolescentes vulneráveis. Não entendi e não entendo como o sistema prisional brasileiro permite isso.
Eles são professores e monitores (ou carcereiros, como vocês prefiram chamar). O diretor é homem. Eles estão por toda parte da unidade e elas também. Isso realmente me incomodou. Homem consegue dar apoio psicológico e pedagógico para várias mulheres juntas? Mulheres estas que ainda estão em formação, que só têm acesso à violência, ao crime, ao abuso, etc. Não sei. Elas são bem carentes.
O único homem da nossa equipe de visita entrou lá e elas o olhavam como príncipe, como uma oportunidade de fuga. É triste!
Filhos da prisão
Vocês querem conhecer a ala das mães? – Foi essa a pergunta que nos fez a monitora que estava nos acompanhando. Fomos lá. É no mesmo prédio, mas funciona como uma casa – com quartos, sala, cozinha, banheiros.
Nos quartos têm camas e berços para os bebês. Na sala tem a TV e uma brinquedoteca. É lindo, mas todas as janelas têm grades. Muitos dos bebês nasceram lá dentro, alguns já têm quase dois aninhos e nunca viram o que é o mundo aqui fora. Estão presos junto com suas mães. O lugar, nesse caso, tem toda uma estrutura para que as crianças e nem as mães passem sufoco. É muito triste!
Os bebês quase não choram, parece que eles sabem que é melhor ficar quieto. Algumas mães que estão lá são viciadas, as monitoras ajudam. Há grávidas prestes a ganhar. Garotas novinhas que se envolveram com o crime e, mesmo grávidas, estão lá pagando pelo o que devem à justiça.
“Mas elas são criminosas…”
Eu sei, você sabe e todo mundo sabe disso. O que ninguém sabe ou prefere não saber, é que elas são seres humanos, elas são garotas que por abuso, por falta de grana, por influência, por vários motivos, entraram no mundo do crime e estão perdendo a juventude lá.
Não nos cabe julgar. Elas são mulheres que estão internadas usando um uniforme largo de moletom e camiseta de cor lilás. Elas estão presas, mas sentem ansiedade tanto quanto nós, sentem os hormônios fervilharem tanto quanto nós, têm cólicas tanto quanto nós, foram abandonadas por seus parceiros – que muitas vezes são os incentivadores dos crimes que elas cometeram – como nós já fomos muitas vezes.
Elas são as mulheres que nós não vemos, que a sociedade não vê ou não quer ver, elas são as meninas esquecidas ali. Elas são as garotas abusadas sexualmente, aliciadas por traficantes, vítimas da violência domésticas, etc. Todas têm esse histórico? Não, mas a maioria sim.
Se você tiver um tempo, visite essas meninas. Você vai ver que elas lá dentro e nós aqui fora somos mais parecidas do que você imagina.
Acesse no site de origem: Conheci a Fundação Casa para meninas e não foi fácil, por Thayse Lopes (Superela, 08/07/2016)