Reconhecendo estereótipos racistas na mídia norte-americana, por Suzane Jardim

15 de julho, 2016

(Medium, 15/07/2016) Já faz tempo que acompanho alguns debates nessa rede mundial de computadores e sempre surgem muitas dúvidas quanto a estereótipos e ofensas racistas vindas geralmente dos EUA e que não fazem parte do cotidiano brasileiro — pelo menos não quanto ao uso corrente.

Acredito na importância de saber reconhecer esses estereótipos, principalmente para compreender polêmicas internacionais e ter a capacidade de criticar as obras midiáticas americanizadas que consumimos no nosso dia-a-dia.

Por isso, eu e o meu consultor de língua inglesa e cultura midiática americana, Francisco Izzo, fizemos uma pesquisinha básica em sites e artigos norte-americanos para tentar falar um pouco de alguns desses estereótipos — de um modo bem didático, simplificado e informal.

Esse texto foi feito originalmente como um álbum no Facebook. A intenção era de popularizar a discussão e criar um dialogo em linguagem simples e fácil. Falta muita coisa provavelmente e talvez novos termos possam sem acrescentados aqui com o tempo.

Se tiverem sugestões de termos a serem pesquisados, só jogar aí que nas horas de folgas a gente vê o que dá pra fazer.

Nota: esse artigo informal foi feito com pesquisa de fato, sabe? Não com uma pesquisa bibliográfica. Fomos atrás de termos vistos em filmes, séries e em alguns artigos em inglês mais informais que liamos pela internet. Basicamente o que fizemos foi procurar fóruns, discussões e textos em blogs americanos pra ver o sentido que davam a cada termo e as explicações históricas que apareciam. Esses estereótipos se dividem entre Históricos e Modernos e tentamos à medida do possível indicar origens e datas, só faltando quando não foi possível encontrar, logo, contribuições são bem vindas.

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O Jim Crow

Thomas D. Rice era um comediante novaiorquino nascido no início do século XIX.
Pra dar aquela inovada no seu repertório, o homem resolveu ir visitar o Sul dos EUA pra ter umas idéia, refrescar a mente e pá.
Lá, ele descobriu que era um costume da galera branca comparar os seus escravos com corvos (em inglês, crow) e que os escravos, nas horas de descanso, costumavam cantar uma canção cuja a origem não se sabe, sobre uma figura lendária chamada Jim Crow.
Então, como qualquer ser humano “normal”, o homem simplesmente teve a genial idéia de pintar seu corpo de preto e se apresentar em casas de shows onde cantava sua adaptação da música dos escravos — a Jump Jim Crow.
Nessas apresentações, ele incorporava o que achava ser o “típico escravo negro”: um cara burro, vestindo trapos, fazendo trapalhadas e andando de maneira boba por aí.
Isso fez um sucesso tão grande que criou todo um gênero de apresentações semelhantes — the minstrel show — um rolê onde se pagava pra ver diversos brancos fazendo blackface para imitar negros em diversas situações cômicas e estereotipadas.

Com o tempo, Jim Crow se tornou um sinônimo para negros americanos usado pelos brancos e uma marca de como negros eram inferiores e bem menos desenvolvidos intelectualmente. E essa imagem se manteve firme e forte por uma cacetada de tempo.

A parada ficou tão forte que as leis de segregação racial impostas nos Estados Unidos ganharam o nome informal de Jim Crow Laws (Leis Jim Crow).

Já ouviram falar da polêmica dos corvos do desenho Dumbo, da Disney? Então… em 1941, enquanto ainda rolavam as leis de segregação racial, a Disney lançou esses personagens que eram basicamente corvos com trejeitos estereotipados associados a negros (malandragem, musicais, sotaque típico etc) e cujo líder se chamava.. tchan tchan tchanan!!! Isso mesmo! Jim Crow!

Sambo (Coon)

Em 1898, quando a escravidão nos EUA já havia sido abolida e as leis de segregação já estavam sendo aplicadas, foi lançado um livro infantil chamadoThe History of Little Black Sambo — algo como A História do Pequeno Negro Sambo, em português.
A historinha era sobre um garoto de pele escura que tapeou um grupo de tigres famintos graças a suas habilidades — era felizão, sem preocupações, irresponsável, malandrão, inocente e pans.
O texto original sugeria que o personagem principal era um garotinho indiano, não muito diferente do Mogli, que a gente já conhece — MAS, como estamos falando dos EUA da segregação, rapidamente ligaram o garotinho da história com um negro por suas características.

Claro que os brancos não precisavam de um livro pra pensar isso dos negros, né memo. Esse esteriótipo já existia, associado à palavra Coon— contração da palavra racoon que em português significa guaxinin, sabe? Guaxinin? Aquele animal pequeno, selvagem e que rouba ovos de galinhas sem ninguém perceber porque ele é bem ligeiro etc e tal?

Então, um dos personagens que marcaram a trajetória dos Minstrel Shows (aquelas apresentações de brancos fazendo blackface que mencionamos na parte do Jim Crow e que foram um baita sucesso) foi Zip Coon.
Enquanto Jim Crow era um pastiche de um escravo negro sulista, Zip Coon, que foi interpretado pela primeira vez por George Dixon em 1834, era o que consideravam um “típico negro liberto do norte”: um negro malandro que quer ostentar sua situação de liberto andando bem vestido por aí, cheio de arrogância por não “se colocar no seu lugar”, usando gírias exageradas e andando pelas cidades aplicando golpes.

POIS BEM — Coon ou Sambo, se tornaram sinônimos de uma ofensa racial usada para associar negros à malandragem, preguiça, gente que foge das obrigações, que conta altas piada, vive cantando e só quer ficar de boa comendo melancia… Mas depois a gente chega nessa parte.

Golliwog, pickaninny e golly doll

Golliwog é o nome de bonequinhos de trapo que apareciam em livros infantis no século XIX caracterizados como uma caricatura de criança negra totalmente estereotipada e com traços exagerados — um bonequinho com blackface basicamente.
Esse bonequinho criou tendência iconográfica para a criação de itens, produtos e shows que usavam blackface. E rapidamente se tornou uma ofensa racial.

Pickaninny é uma palavra adaptada de “pequenino”, em português, sabe? E era usada para se referir a crianças negras — aquelas que lembravam golliwogs e golly dolls.
Basicamente, pickaninny/golly doll/golliwog são formas depreciativas e racistas de se chamar uma criança negra, colocando-a sempre como arteira, independente, imune à dor e que não precisa de cuidados de ninguém, nem dos pais, que podem deixá-los sozinhos de boa e irem cuidar das crianças brancas dos seus patrões sem problemas.

Tia Jemina (a Mammy)

Mommy, é o modo carinhoso de se chamar uma mãe em inglês.
Mammy é como um negro do século XIX pronunciaria a palavra “Mommy” nos estados sulistas americanos.
Logo, Mammy vem das memórias e diários escritos por brancos no pós guerra civil, onde contavam como foram felizes ao lado da escrava de casa que era “quase da família”, aquela que os amamentou, que deixava os próprios filhos de lado pra cuidar deles, que não tinha vaidade, nem vontades — dedicava a vida inteira a todas essas crianças brancas maravilhosas que ela amava como se fossem os próprios filhos — ó que bonito!

A descrição básica da Mammy gira em torno de uma mulher negra bem gorda, com seios enormes capazes de amamentar todas as crianças brancas do mundo, um lenço pra esconder o cabelo crespo “horroroso” e uma personalidade forte, cheia de garra, mas que só serve pra lutar pela família branca que ela tanto ama.
Ela é uma doméstica, nasceu pra isso. Cozinha como ninguém e tem as melhores receitas. É leal, é gentil, dá dicas de limpeza, é supersticiosa, religiosa, tá sempre pronta pra aconselhar as donas de casa e suas filhas — uma grande amiga!
Claro que por se dedicar tanto à família branca, a Mammy é alguém sem pretensões, sem vida própria, assexuada e que só sabe servir e mais nada, mas o importante é usar a imagem pra enfatizar uma suposta boa relação entre senhores e escravos que tenta mascarar uma relação de poder gritante rolando.

A marca Aunt Jemima ainda existe, mas atualmente deu uma repaginada em seu logo pra tentar dar uma aliviada na imagem estereotipada (dar aliviada = tirar o lenço da cabeça, como podem ver.)

 

Essa imagem foi firmada no cotidiano e na cultura popular principalmente depois do lançamento dos produtos culinários da Tia (Aunt) Jemima, láááá em 1889. Os produtos, a partir de 1893, ganharam um logo que trazia uma mulher negra com todas as características já citadas aqui e a figura da Aunt Jemima se tornou referência popular rapidamente, fixando uma nova personagem na publicidade, TV e cinema. Vários musicais, séries de TV e filmes tiveram sua versão da Tia Jemima.

A fixação da imagem da mulher negra como Mammy foi também usada no discurso ideológico que manteve as mulheres negras presas ao trabalho doméstico. Eram mulheres com vocação para servir e não para alcançar melhores postos e pretensões nos mercados de trabalho. Além disso, por anos definiu o lugar da mulher negra na mídia: só aparecia na função de doméstica e conselheira da patroa, não sendo representada como nada além de uma eterna Mammy.

Hattie McDaniel, a primeira mulher negra a ganhar um Oscar por seu papel no filme …Gone With the Wind ou … E o Vento Levou em português, fez a maior parte da sua carreira interpretando Mammies no cinema — só na década de 30, McDaniel interpretou pelo menos 40 empregadas domésticas. Vale lembrar que, o ano em que Hattie McDaniel levou o Oscar de Melhor Atriz (1940), foi também o ano em que uma pessoa negra esteve pela primeira vez em um cerimônia do Oscar sem ser para fazer faxina ou servir cafézinho…

Muitas garotas propaganda nos EUA, resgatam a figura da Mammy de um modo mais disfarçado, tipo tirando o lenço da cabeça ou coisa assim — mas obviamente só para produtos de cozinha ou de limpeza, como rolou com a garota do Pinho Sol até um tempo atrás.

O equivalente masculino da Mammy/Tia Jemima é representado em produtos e na mídia como Tio Ben ou o Tio Remus (falaremos mais sobre o Tio Remus na parte do Magical Negro).

Uncle Tom

Essa história é muito louca — vamo lá:

Em 1852, durante as discussões sobre o fim da escravidão nos EUA e antes da famosa Guerra Civil Americana, Harriet Beecher Stowe, uma escritora abolicionista de Connecticut lançou o romance anti-escravista Uncle Tom’s Cabin (adaptado para o português como A Cabana do Pai Tomás).
No livro, Stowe contava a história do Uncle Tom, um escravo idoso que terminou espancado até a morte por se negar a colaborar com seu dono e contar o paradeiro de escravas fugidas. No romance a intenção é de colocar Uncle Tom como um mártir, um simbolo que denuncia os maus tratos e a crueldade da escravidão.

PORÉM NÉ CEIS SABE o livro deixou os branco sulista puto — muito puto mesmo. Era a época de Abraham Lincoln, aquelas discussões acaloradas em torno de questões como “escravos tem alma ou não tem” etc. E o que eles fizeram foi assim, bem maduro: simplesmente reescreveram a história para apresentá-la em ministrels shows usando blackface e colocando o Uncle Tom como um grande defensor da escravidão e um grande amante de brancos em geral, que não perde tempo em dedar os mano e lascar tudo que é tentativa de resistência negra — em resumo, um grande escroto.

E adivinha qual versão ficou mais famosa? Pois é….

Uncle Tom se tornou um modo pejorativo de chamar o negro excessivamente servil, que tenta ganhar vantagens dentro da estrutura racista sendo gentil e leal ao homem branco, uma espécia de traidor do povo negro.

Durante ataques de cunho racista no início do século XX, era comum espalharem imagens do Uncle Tom dando “”””conselhos””” para que os negros não reagissem e fossem obedientes e dóceis para que assim não voltassem a sofrer violência.

O personagem de Samuel L. Jackson em Django Livre (2012) é um exemplo do que a gente tá falando aqui.

Também é comum usarem o termo “bojangles” pra se referir a esse tipo de figura.
Isso em menção ao dançarino Bill “Bojangles” Robinson, o primeiro negro a chegar na mídia e no cinema — já que na época os negros eram representados por brancos fazendo blackface — mas para isso, Bojangles fazia participações de sapateado em filmes que hoje são considerados o supra-sumo do racismo e do desrespeito à imagem do negro (podem procurar pelo filme The Littlest Rebel ou A Pequena Rebelde, de 1935, estrelado pela atriz mirim Shirley Temple e vocês terão uma idéia de qual era o nível da coisa).

The Black Bucks (O Mandingo)

Esse todo mundo conhece, só não foi apresentado ao nome americano ainda.

Basicamente, os donos de escravos brancos promoviam a noção de que os homens africanos escravizados eram animais por natureza. Diziam, por exemplo, que “Nos negros, todas as paixões, emoções e ambições são quase que totalmente dominadas pelo instinto sexual” colaborando assim para noções de bestialidade e primitivismo.
Essa era a definição de um Mandingo — aquele negro escravo perigoso e indomável e que deve ser contido pois tem instintos sexuais que provavelmente iriam perverter as filhas e esposas do senhor branco.

Depois da Reconstrução Americana* o termo Black Buck foi usado pra fortalecer esse esteriótipo.
Os Black Bucks são homens geralmente musculosos, que desafiam a vontade dos brancos e são um puta perigo pra sociedade americana. Eles são nervosos, agitados, temperamentais, impulsivos, extremamente violentos e, claro, sexualmente atraídos por mulheres brancas — só elas.

No que isso resultava? Sim, linchamentos aos montes.
Homens negros eram mortos, enforcados e espancados por serem um risco às virginais mocinhas brancas.

Com o tempo a figura do negro sexualizado que existe pra enlouquecer a pura mocinha branca, se fixou na mídia — virou tema de filme, de quadrinho, de pornografia e tá ai firme e forte até hoje

Em 2008, por exemplo, rolou essa capa da Vogue, colocando o jogador de basquete Lebron James ao lado de Gisele Bündchen em uma pose que remetia à posters famosos do filme King Kong. Sabe? King Kong? Onde o animal feroz e descontrolado destrói tudo porque deseja o amor da frágil mocinha branca e precisa ser colocado no seu lugar?

Então…….

  • Reconstrução Americana foi o período de literal reconstrução do país (tanto em estrutura, quanto jurídica) após a Guerra Civil Americana que deixou o lugar todo lascado em vários quesitos. Rolou entre 1865 e 1877, se não me engano, e foi o período onde reconstruíram cidades e começaram a discutir e legislar sobre o que fazer com o negro agora que a escravidão havia sido abolida. Exatamente por esse clima de decisão sobre como a sociedade americana iria se estruturar, esse é o período onde surgiram as sociedades secretas/organizações de supremacia branca (como a Ku Klux Klan) e onde os discursos de segregação e violência contra negros autorizada pelo Estado começaram a se fortalecer.

Jezebel: A Mulher Negra Insaciável

Jezebel ou Jezabel, foi uma personagem bíblica — Rainha de Israel, esposa do Rei Acab e basicamente, segundo a bíblia, ela era uma escrota: começou a adorar outro deus do nada, mandou matar a porra toda de gente, não obedecia ninguém e, pior ainda, era mó sexy. Ou seja, é a mulher caída, a pecadora, a que não presta.

POIS BEM na era vitoriana, tinha toda uma imagem da boa mulher e basicamente ela era européia e cristã — fim. Até que um dia europeus entraram em contato com mulheres africanas e atribuíram aquela semi nudez usada nos trópicos à promiscuidade.
Se eles se deparavam com aldeias africanas onde poligamia era uma prática então… vish, obviamente as mulheres negras só podiam ter uma luxuria incontrolável e ainda por cima eram pagãs, logo, não deviam ter moral nenhuma — igual a Jezebel.

Mas claro que isso não era um problema pros homens europeus da época né?
Afinal, se tem essas minas aí, elas não são de Deus e portanto não tem moral, elas tão sempre quase nuas e são insaciavelmente luxuriosas ENTÃO SUPER DE BOA transar com elas sem pedir ou usar o corpo delas como exibição.

Basicamente o grande impacto desse esteriótipo foi o de que ele foi responsável por justificar o estupro e abuso sexual cometido à mulheres negras, afinal, seria “impossível estuprar mulheres tão promiscuas”.

Teve um abolicionista (sim! um a b o l i c i o n i s t a) que dizia que “as mulheres escravas ficavam gratas com os avanços dos saxões”……………….. é………….

Mesmo depois da abolição, o estupro e o abuso não parou: o medo que mulheres negras tinham de denunciar homens brancos de estupro e abuso era justificado e a prática se manteve até hoje — a negra fogosa que tá procurando, sabe como é….

Essa imagem sexualizada da mulher negra devoradora de homens como um contraponto da mulher branca comportada é amplamente usada na mídia (como nesse comercial aí da imagem acima).

A mulher branca permanece uma ótima esposa enquanto as mulheres negras se fixaram como as melhores amantes.

Sapphire

Você já viu isso em filmes e quadros de humor, certeza: a mulher irritada, que bate e grita com o marido, é ela que manda na porra toda e que faz “”””o papel do homem””””, ela tá sempre puta da vida, nunca sorri e vai te mandar tomar no cu quando você menos perceber.

Bem, durante a escravidão existia o culto à verdadeira feminilidade, ideologia que marcou qual era o padrão de comportamento feminino na época — mas obviamente esses padrões do que é ser mulher só valiam para as mulheres brancas de classe média.
A Sapphire é o total oposto disso: ela é a mulher forte e castradora, que domina o homem, rouba seu papel e geralmente afasta suas crianças e seu companheiro de tão escrotona que ela é.
Ela é uma Mammy sem o mínimo carinho maternal, sem a mínima paciência.

Cientistas sociais do pós escravidão afirmavam que a culpa do desemprego, pobreza e suposta passividade do homem negro pra crescer na vida não era de qualquer política social ou econômica, mas sim, do status matriarcal da dominância da mulher negra descontrolada sobre o homem — “se você não doma nem sua mulher, como quer ter um emprego?” — pois é….

O nome Sapphire veio da personagem da comédia Amos ’n’ Andy, um estereótipo disso tudo que acabamos de falar.

Então, em resumo, esse foi o estereótipo primário da Mulher Negra Raivosa — a Angry Black Woman que muitos de vocês conhecem.
Aquele que coloca a mulher negra como perigosa, instável, dominada pelas emoções, incapaz de agir racionalmente, como alguém que merece a solidão e que não ligará pra isso pois é muito forte e não precisa do mínimo carinho, cuidado ou atenção.

O Negro Mágico

Esse é um estereótipo da ficção.
Ao contrário dos outros aqui apresentados, ele não é usado como ofensa racial no dia-a-dia, mas é usado para apagar o protagonismo de negros na mídia.

Vamos começar com o exemplo do Uncle Remus, esse velhinho legal aí na imagem acima, ao lado do coelho.
O que ele fazia da vida? Era o velhinho negro boa praça e carismático que contava umas histórinha fofa pra alegrar a vida das criancinhas brancas. Ele não tinha problemas, nem tensões — só ria, era agradável e um fofinho. Todo mundo ama esse cara. Ninguém sabe nada sobre ele, só que ele deixa os branco feliz pa caraí. Talvez um pouco semelhante à figura da Mammy, porém nem agência pra dar umas bronca ele tem porque ele é daora e passivão.

O Magical Negro (ou o Negro Mágico) é tipo o Uncle Remus: o eterno assistente do herói branco.
Ele pode ou não ter de fato poderes mágicos, mas ele sempre vai ter conhecimentos que o herói branco não tem e com isso conseguirá ajudá-lo e guiá-lo para seus objetivos.
Ele é humilde. Não tem a menor intenção de ter o holofote ou a glória, ele tá satisfeito demais da conta em só ser maneiro e fazer o carinha branco superar as barreira da vida.

O termo foi popularizado pelo Spike Lee quando ele disse que tava de saco cheio de filmes com o “Super duper negro mágico”.
Se você parar pra ver, o Morgan Freeman fez metade da carreira dele interpretando esses negros sábios que melhoram a vida do protagonista branco, como em Conduzindo Miss Daisy, Robin Hood, Menina de Ouro, os Batman…

Welfare Queens

“Minha empregada largou o emprego pra poder engravidar e viver de bolsa família”

vai dizer que tu nunca viu um discurso bosta desses?

Welfare Queen, traduzindo literalmente, é tipo “Rainha da Bolsa Auxílio” e é um termo usada há uma porrada de tempo e no início nem tinha assim uma marca racial tão grande, era só pra ofender mulheres pobres em geral.
O gênero era culpado pela condição de pobreza para todas as cores e raças. Mas, a sociedade racista logo viu que não podia existir essa igualdade na detratação e colocou as mulheres negras americanas como as piores e responsáveis pelas maiores violações do espírito americano.
Obviamente, a mulher negra, com aquele apetite sexual absurdamente grande, teria mais filho e exigiria maiores ganhos vindos do Estado, afinal ela é uma vaidosa, uma ambiciosa (porque é mulher, e mulher sempre quer dinheiro) e não respeita a moral de ninguém.

Welfare Queens sãos os rótulos usados por parte da população classe média, aquela parte que se acha mais né, pra justificar corte de gastos governamentais com o social e “””denunciar”””” os maus modos de mulheres pobres que são pobres por não saberem se controlar e ter preguiça de trabalhar.

Acho que até agora esse é o que a gente mais conhece, de longe…..

O Rolê da Melancia

Ah, esse é loco… Vocês já viram um filme com uma piadinha sobre melancia e não entenderam? Algum meme na internet que não sacou? (pode procurar, tem vários).

Então, não existia melancia na América antes do período da escravidão pois as melancias são frutos típicos do sul da África. Quem trouxe melancias pro continente foram os negros escravizados e geralmente eram eles que comiam o fruto.
Logo, os senhores brancos associaram o hábito de comer melancia com a negritude, dando ênfase no modo em que negros comiam o fruto: com as mãos, se lambuzando, deixando a cara cheia de caldo etc. Essa ênfase era usada pra desqualificar os modos negros e colocá-los como animais incivilizados, assim como para destratar o negro como um ser humano como um todo, afinal se ele tinha suas melancias e seu sossego (afinal, pros brancos o negro era preguiçoso, né), não precisaria de mais nada e de mais nenhum direito.

A melancia foi amplamente usada na iconografia racista e estereotipada do negro no pós reconstrução — produtos, caricaturas, representações onde o negro era aquele maluco por melancia e que seria capaz de abandonar qualquer coisa caso jogassem uma melancia na frente dele.
Racistas em geral usam o termo nigga bait (isca de criolo) pra falar sobre o fruto.

Em 1970, por exemplo, fizeram um filme baseado em A Metamorfose do Franz Kafka, onde um branco bem racistão acorda e descobre que se transformou em um negro.
O filme, sem o menor tato, tenta ser um filme anti-racismo, onde um branco racista descobre “na pele” todo mal que o racismo causa e era assim tão cuidadoso e tããããão respeitoso com os negros em geral que ganhou o suuuuper de bom senso nome de The Watermelon Man ou, O Homem Melancia.
No fim do filme o protagonista se torna negro pra sempre, é abandonado por família e amigos por causa da sua cor e vira um pastiche de um Angry Black Man, aquele negro nervoso que tem trejeitos e andas nas ruas arrumando treta com todo mundo… puta lição de vida, né? N

Por décadas a Disney sempre foi criticada pela ausência de personagens negros e em 2009 finalmente lançaram um filme com a lendária “””primeira princesa negra””””, a Tiana. Na hora de fazer o marketing, adivinha só que sabor de doces foi reservado pra ela enquanto Princesas como a Aurora e a Bela ficaram com o sabor “baunilha”????????? E isso amigos, deu uma treeeta….

Desde o fim dos anos 80, meio que virou um senso comum de que colocar negros comendo melancia na mídia era politicamente incorreto e que se você insistisse nisso, ia acabar comprando uma treta que na real você não quer. Então, muitos acreditaram que esse era um estereótipo extinto, até o maravilhoso advento da nossa querida internet que reagiu a eleição desse candidato chamado Barack Obama com inúmeros memes e discussões onde o ofendiam com a idéia da melancia, mostrando que na internet esse estereótipo racista segue firme e forte.
Podem jogar no google aí que dessa vez eu passo.

O Rolê do Frango Frito

Bem, além da melancia, alguns outros alimentos são ligados de modo pejorativo aos negros e sua cultura e, basicamente, todos eles tem uma origem parecida.
Por exemplo, o refrigerante de uva: era uma bebida bem mais barata que todos os outros refrigerantes e bem mais vagabunda — basicamente um Dolly uva com o triplo de açúcar e custando 25 centavos. Era coisa de periferia, de guetto, querer tomar isso porque ninguém queria mesmo, mas era barato e tinha açúcar, então as crianças negras eram as maiores consumidoras… Pra virar um esteriótipo racial ofensivo foi assim, rapidão.

*O Nicolas Antonio Bargiela veio nos comentários desse texto e deu uma informação legal: essa conotação negativa do refrigerante de uva, hoje pega mais em cima do Kool Aid (sabe o nosso Ki-Suco? Suco de pózinho mó humildão e tal? É a versão americana da mesma coisa), inclusive com a mesma ligação sobre valor da bebida e etc. Em The Blacker the Berry, música do disco mais recente (e bom pra kct) do Kendrick Lamar, ele lista alguns esteriótipos negros, no trecho final e lá está o Kool Aid, firme e forte:

Or eat watermelon, chicken, and Kool-Aid on weekdays
Or jump high enough to get Michael Jordan endorsements
Or watch BET cause urban support is important

Os mesmos processos ocorreram com histórias mais ou menos parecidas com waffles, couve e blá blá blá, MAS pelo menos no Brasil a gente ouve falar bastante da parada do frango frito.

Então bora:
Frango frito é um prato típico do sul americano, o local mais racista do universo se pá. As Mammies eram especialistas em fazer pratos com frango, carne abundante na região, e todo mundo admirava as receitas secretas dessas Mammies e afins.
Logo, era meio um chavão pensar em negros quando se pensava em um bom frango frito sulista.
MAS a conotação ofensiva se popularizou mesmo devido ao filme The Birth of a Nation, ( O Nascimento de uma Nação) do D. W. Griffith — se pá o filme mais racista de todos os tempos e que defende coisas do bem, tipo a Ku Klux Klan.
Em uma cena do filme, durante uma briga por direitos para os negros, um homem negro aparece na Câmara Legislativa. Todas as outras pessoas se comportam conforme o protocolo que o local exige, porém o homem negro puxa um balde e começa a devorar uma porrada de frango frito de um modo extremamente rude e caricato em uma cena com fins cômicos.

Daí pra frente, a parada nunca mais parou e ainda deu brecha para que coisas de caráter extremamente ofensivo à comunidade negra continuassem sendo feitas — como por exemplo, a inauguração, em 1925, de um restaurante especializado em frango frito: o Coon Chicken Inn. Lembra que expliquei acima a conotação racista do termo Coon? Então… “Ah, mas pode ser só coincidência, cêis vê maldade em tudo, nada a ver”… Hum, ok. Então joga o nome do restaurante na busca do Google e veja toda a iconografia que o envolve… Pois é… O restaurante foi alvo de protestos de grupos como o histórico NAACP ( The National Association for the Advancement of Colored People, ou A Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor) desde os anos 30, até ter sua última unidade finalmente ser fechada em 1957.

Devido à fatos como esses, o frango frito tomou o lugar da melancia no esteriótipo racista moderno e lá permanece até os dias atuais.


DICA: pra quem lê em inglês, nesse site aqui dá pra encontrar muitas informações sobre pessoas, lugares e outros pontos que foram citados aqui — aproveitem! — http://www.blackpast.org/

POR ENQUANTO É SÓ PESSOAL
VAMO QUE VAMO PORQUE DEUS É TOP SEMPRE

Acesse no site de origem: Reconhecendo estereótipos racistas na mídia norte-americana, por Suzane Jardim (Medium, 15/07/2016)

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