(JCOnline, 30/07/2016) A primeira geração dos bebês que nasceram com microcefalia associada ao zika começa a completar o primeiro ano de vida. Ao longo desses 12 meses, as famílias se viram atropeladas por uma grande quantidade de informações, por vezes contraditórias, sobre uma condição que abalou emocionalmente a sociedade. De um lado, os médicos testemunharam o aparecimento de um problema sem precedentes no mundo e chegaram a se sentir impotentes diante das limitações causadas por um vírus que provoca lesões no cérebro em graus distintos. Em outra esfera, as mães acumularam ansiedades pelo desafio de dar todos os cuidados a um bebê cuja malformação desafia a saúde pública. Essa fase ainda tem sido marcada por uma rotina intensa de consultas, exames e terapias, que tentam buscar caminhos para controlar irritabilidade, crises convulsivas, refluxo, rigidez muscular e engasgos.
Paralelamente a todo esse cenário, as famílias dos bebês com microcefalia se uniram para encontrar respostas a questões e sentimentos que mais trazem aflições e incertezas. De mãos dadas, pais e mães tornaram-se fortes diante da necessidade de zelar pelo desenvolvimento dos filhos que carregam consequências de um vírus capaz de deixar o mundo entrar em alerta. “No começo, foi muito difícil. Nos três primeiros meses, fiquei me perguntando o que seria a microcefalia. Quando David fez sete meses, passei a entender mais. As meninas da União de Mães de Anjos (entidade que presta assistência às famílias das crianças com microcefalia) me ensinaram muito. Passou-se o tempo, e o amor só faz crescer. Ele me ensinou realmente a ser mãe”, conta a dona de casa Danielle Cândida da Costa, 33 anos, mãe de David, que completou 1 ano na última terça-feira (26). Ele é um dos primeiros casos que levaram a comunidade médica a investigar a explosão de casos de microcefalia em Pernambuco.
Na época em que David nasceu, os rumores de que zika poderia causar microcefalia não existiam, embora o Estado já estivesse passado, no primeiro semestre de 2015, por uma epidemia de zika que oficialmente não havia sido reconhecida pelas autoridades de saúde. A microcefalia veio como a ponta do iceberg e fez evidenciar um surto que passou em branco em território pernambucano: a maioria das mulheres que deu à luz um bebê com microcefalia de agosto a novembro (período em que mais se concentraram os nascimentos de bebês com a malformação) relatou sintomas de zika no primeiro trimestre da gestação, que coincide em Pernambuco com o período da epidemia. Diante desse fato incomum, as notificações de microcefalia passaram a ser obrigatórias no Estado há um ano, precisamente em 1º de agosto. “Uma ultrassonografia aos 8 meses mostrou que David nasceria com microcefalia, mas nem imaginava o que era. Quando me internei para o parto, o médico disse que ele poderia ter só algumas horas de vida. Fiquei desesperada. E hoje vejo meu filho aqui contando a vitória, fazendo um aninho. Ele tem muito amor meu, dos meus outros quatro filhos, do pai, de toda a família”, relata Danielle, que já passou madrugadas em claro para tentar apaziguar uma irritabilidade comum a muitos bebês com microcefalia nos primeiros meses de vida. “Ele chorava de um lado, e eu de outro. Teve uma noite que pensei que não aguentaria de tão cansada. Com terapias e medicações, ele foi relaxando, passou a dormir mais e a ter menos espasmos (contrações musculares involuntárias).”
Neste primeiro ano de vida da primeira geração dos bebês que nasceram com microcefalia associada ao zika, a neuropediatra Vanessa Van Der Linden lapidou um conceito que adota em duas décadas como médica: a informação que leva confiança e a disponibilidade de cuidar têm sido um farol no caminho dessas famílias. “É importante educar os pais para que, diante das dificuldades, possam interagir da melhor forma com os filhos. Quando a família sabe como estimular a criança, o desenvolvimento passa a ser melhor. E assim percebo que as mães estão mais tranquilas e entendem mais a situação”, acredita Vanessa, uma das médicas que alertaram autoridades de saúde sobre a mudança no padrão da microcefalia. “Divido com a família informações sobre o grau de comprometimento da criança e o quanto a gente pode investir ou não em prol do desenvolvimento. Os pais vão compreendendo a microcefalia e tentam se adaptar a essa condição. Na última semana, cheguei a dizer a uma mãe que, independentemente de andar ou não andar, o importante é que a filha seja feliz”, completa a neuropediatra, que acompanha os bebês em consultório particular, no Hospital Barão de Lucena e na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) – instituição que acompanha, pelo menos, 95 bebês com a malformação comprovadamente causada pelo zika, como o pequeno Pedro Luccas, que faz 1 ano no próximo dia 12. Ele nasceu no mês em que se reforçaram as suspeitas de que algo estaria fora do padrão em relação à microcefalia. Em agosto, foram notificados 32 casos (de 2005 a 2014, a média de casos foi de nove registros por ano). “Logo quando nasceu, procurei informações sobre o assunto e nada tinha. Fiquei com medo que meu filho não resistisse, mas hoje é feliz, me ensina a ter paciência e a dar mais valor às coisas. Com as terapias e o apoio de toda a família, Pedro Luccas passou a abrir as mãos, pegar objetos, dobrar as pernas, sorrir e olhar para as pessoas”, conta a mãe do menino, a auxiliar administrativo Mariana Viana, 23. “Muitas pessoas dizem que bebê com microcefalia não chega a 1 ano. Então, esse aniversário é uma vitória.”
“Hoje vejo a vitória do meu filho”, diz Danielle Cândida, mãe de David, que fez um ano dia 26/7. Ao ter suporte da família, dos profissionais de saúde e da sociedade, os pais dos bebês com microcefalia passam a ter a chance de se sentir fortalecidos e serenos para zelar pelo desenvolvimento dos filhos com amor, disciplina e cuidado dentro de um contexto que permite superar obstáculos e desesperanças. “O nascimento de João Gabriel foi um choque. Mas, com o decorrer dos meses, só vejo conquistas. Vê-lo nos meus braços se movimentando é tudo para mim. Escutei que ele iria vegetar e só mexeria os olhos. O desenvolvimento está sendo lento, mas sei que ele alcançará todas as etapas da vida”, relata a dona de casa Elaine Michelle dos Santos, 29, mãe de João Gabriel, que completou 1 ano ontem. Pela casa da família, só se vê as lembrancinhas da festa, que será realizada em agosto. “Para mim, João foi um grande presente; para os médicos, uma grande surpresa. Ele me mostrou uma força que eu não imaginava ter e que se renova a cada dia. É minha joia rara”, acrescenta Elaine, que diariamente conta com apoio do marido, o chefe de cozinha José Adriano da Silva, 37, e da filha, Maria Eduarda, 13. Eles foram a fortaleza para Elaine enfrentar 60 dias no hospital com João Gabriel, que desenvolveu meningite bacteriana com poucos dias de vida. Teve alta quando completou 2 meses de vida. “Só passei a ter esperança a partir do dia em que ele veio para casa. Corri atrás dos tratamentos, e tudo começou a clarear. A luz que estava apagada reacendeu. Comecei a ver outras mães com seus bebês e a trocar ideias com elas. Microcefalia não é o fim; é o começo de uma nova geração, cujos bebês vão se desenvolver no seu tempo”, diz Elaine, que deposita doses de esperança no amanhã.
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