(Dimalice Nunes/Agência Patrícia Galvão, 12/08/2016) Partidos políticos brasileiros ainda são oligarquias masculinas. A afirmação do cientista político da Universidade de Brasília (UnB), Luis Felipe Miguel, especialista em participação feminina na política, dá o tom das dificuldades que as mulheres que decidem entrar na vida pública enfrentam. Avanços existem, mas o que persiste é um enorme número de candidatas lançadas apenas para cumprimento de cota – com apoio desigual para as candidaturas de homens e mulheres e violência contra aquelas que rompem essas barreiras. “As cotas ajudam, mas ainda incentivam candidaturas pouco competitivas dentro dos partidos”, afirma Luis Felipe.
Alguns partidos apostam em conscientização para que as eleições municipais de 2016 tenham uma queda expressiva no número de candidatas fictícias. Há dois anos o PSDB trabalha na capacitação de mulheres, especialmente com as possíveis candidatas a prefeitas e vereadoras neste ano. “Uma coisa que a gente bateu muito foi isso: não se candidate para ser laranja. Não permita que o partido lhe use”, explica Solange Jurema, presidente nacional do PSDB Mulher. A ideia é orientar sobre como planejar e estruturar a campanha, como organizar o comitê e tudo o mais que envolve a entrada da candidata no universo de disputa por um cargo eletivo.
A ação de maior apoio a candidatura de mulheres, porém, não vem de uma conscientização dos dirigentes de partidos. Para a campanha deste ano existe uma mobilização das procuradorias eleitorais para cobrar dos partidos o cumprimento da cota por sexo. Embora exista desde 1997 a determinação de que 30% das candidaturas de cada partido seja de um dos sexos, isso passou a ser respeitado apenas nas eleições de 2010 e em 2014, após maior rigor de fiscalização das Procuradorias Regionais Eleitorais (PRE). Nas eleições de 2004, por exemplo, 93% dos municípios não cumpriram a cota de 30%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM).
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A briga, agora, é pela qualidade dessas candidatura. É isso que as procuradorias de todo o país prometem fiscalizar. “Há muitos casos em que as candidatas não têm um voto sequer, nem o dela”, conta Solange. “Estou muito ansiosa para ver qual será o resultado, pois foi um trabalho de formiguinha em todo o Brasil.” A promessa da PRE é fruto de pressão dos diretório femininos dos partidos, mas também do movimento feminista. Desde 2010 também é lei que 5% da verba do Fundo Partidário seja aplicada na formação política de mulheres e 10% do tempo de propaganda partidária dos partidos deve ser utilizado pelas mulheres desses partidos.
A expectativa para este ano é grande também no PSD. Alda Marco Antônio, coordenadora nacional do PSD Mulher, afirma que o partido espera já neste ano não ter nenhuma candidatura fictícia. “Nenhuma mulher merece ser laranja e estamos conseguindo com que todas as candidatas a vereadoras e prefeitas sejam candidatas verdadeiras, que busquem de fato o voto”. Para ela, por tratar-se de um partido novo, fundado há menos de cinco anos, há maior sensibilidade dos dirigentes do PSD para a questão.
“Estamos trabalhando para criar um ambiente favorável à militância feminina e estamos conseguindo isso”, comemora, sem deixar de reconhecer o atraso da estrutura partidária em relação aos avanços da sociedade. “Os dirigentes partidários adoram as mulheres, mas como secretárias e para buscar votos para eles. E as mulheres têm que entender que podem buscar voto para elas mesmas ou para outras mulheres”, afirma Alda. Solange concorda: “no fundo, os homens apenas nos aguentam. Por outro lado, como eles são políticos, não podem dar uma declaração dentro do politicamente incorreto. Então é dentro desse espaço em que atuamos que a gente abre caminhos”.
Embora todos os avanços – sejam legais ou fiscalizatórios – sejam positivos, é fundamental manter o olhar crítico. Para Laisy Moriere, secretária nacional de mulheres do PT, para romper o ciclo da baixa participação das mulheres na política a máxima feminista “não basta ser mulher” precisa estar no centro da discussão. “As mulheres que conseguem romper as barreiras e assumir cargos de poder e decisão, também dentro dos partidos, precisam se perceber como mulheres com um cargo de poder e decisão. Não é para fazer como os homens fazem. As mulheres que ocupam esses espaços têm que ter em sua bagagem essa percepção feminista de busca de igualdade de gênero”, defende.
Para Laisy, a principal dificuldade é o partido entender que para uma plena democracia as mulheres precisam ser tratadas com igualdade na questão da representação político-partidária. No PT, ela explica, há paridade para os cargos de comando, “mas a paridade é um número, ela não é uma política paritária. Porque as mulheres que chegaram à direção do partido ainda não têm essa percepção, de ser uma mulher num espaço de poder. E qual deve ser a atuação dela? Ainda falta isso.”, critica.
Laisy lembra ainda que dos 35 partidos que existem hoje a maioria não tem cota de participação na direção partidária. “Não estou falando de diretório de mulher. O primeiro passo é uma efetiva representação dentro da estrutura de poder do partido. Caso contrário, não avança. Se não mudarem os partidos, não muda a política. Se não mudar a política, não se avança na democracia. Se não avançar na democracia, as mulheres irão continuar sendo a maioria da população, mas com uma representação muito menor do que a que elas têm por direito”, conclui.
Para Fátima Jordão, socióloga e especialista em pesquisas de opinião e campanhas políticas, mais que dificultar, os partidos políticos sabotam as candidaturas de mulheres. “Há um pseudo-apoio e muitas vezes é o próprio partido o maior obstáculo das mulheres.” Fátima participou de mais de 30 campanhas, mas apenas em cinco delas a candidatura era de uma mulher. “E sempre percebi uma diferença absurda na relação dos partidos com as candidatas. Não importa o cargo a que ela está concorrendo, a candidata sempre estará numa posição mais frágil que um candidato.”
Fátima afirma ainda que embora muitas mulheres só se tornem candidatas para o preenchimento das cotas, os partidos começam a perceber o papel da mulher com poder. “Quando se pensa na ‘mulher fraca’ se comete um erro. A sociedade está muito a frente dos partidos políticos, pois vê nas mulheres potencial, força. Do ponto de vista dos partidos ainda estamos em 1956”, disse.