(Jota, 17/08/2016) Não é raro nos depararmos com notícias das mais diversas formas de violência que atingem a população LGBT. No entanto, mapear as agressões com essa motivação no Brasil não é, no geral, uma preocupação de órgãos oficiais, que deixam a árdua tarefa a cargo de ONGs e movimentos sociais militantes.
O último dado oficial publicado sobre violência LGBTfóbica no país é o “Terceiro Relatório de Violência Homofóbica no Brasil”, publicado pelo extinto (em razão do golpe) Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos em fevereiro de 2016, embora contenha dados relativos ao ano de 2013. Além da demora na divulgação dos dados, há evidente subnotificação, uma vez que os dados apresentados provêm apenas de denúncias ao Disque 100 (Disque Direitos Humanos da SDH) e às ouvidorias do SUS e da Secretaria de Política para as Mulheres.
Por outro lado, é possível ter acesso a dados por meio da atuação de organizações como o Grupo Gay da Bahia, que se dedica a documentar as mortes motivadas por LGBTfobia e atualiza os dados quase diariamente no site “Quem a homotransfobia matou hoje”. Somados os números de mortes documentadas pelo grupo desde 1963, o total ultrapassa 5192 assassinatos, sendo que apenas em 2016 já são 177. Contudo, ainda é preciso notar que organizações militantes enfrentam uma série de dificuldades em sua atuação e, nesse caso, também estão sujeitas a subnotificação, o que indica que os números reais da violência são ainda maiores do que os apresentados, por si só assustadores. Além disso, esse mapeamento em específico se restringe a casos em que há morte.
Se a própria vida e a própria segurança são preocupações de cada pessoa em nosso país a todo momento, a população LGBT tem ao menos 5192 motivos a mais para se preocupar, inúmeras chances a mais de ser vítima de alguma manifestação contra sua vida ou sua integridade, todo o medo que cada pessoa tem e o medo que o ultrapassa, porque o ódio LGBTfóbico faz vítimas silenciadas diariamente.
O fato de não ser vítima de um ódio voltado à sua orientação sexual ou à sua identidade de gênero faz com que pessoas heterossexuais, monossexuais e cisgêneras não convivam com o medo das manifestações agressivas causadas por esse ódio em seu cotidiano. Desta forma, essas pessoas têm o privilégio de não estar sujeitas a essa ameaça específica. No Brasil, esse privilégio tem também outras facetas, como possuir direitos civis e individuais negados a pessoas homossexuais e bissexuais ou a pessoas trans.
Tendo em mente a existência desses privilégios, flagrante para a população LGBT, mas nem sempre visível para quem os possui, o núcleo LBT da DeFEMde – Rede Feminista de Juristas – lançou, em 15/08/2016, uma campanha que visa a evidenciar a realidade do grupo oprimido: a ideia é mostrar notícias sobre formas infelizmente comuns, diversas e representativas da violência sofrida pela população LGBT, mas com a vítima e a motivação invertida.
Isto é, como seria se deparar com manchetes que anunciam casais heterossexuais que sofrem violência por estarem juntos? Pessoas espancadas por aparentarem ser heterossexuais? Pessoas chamadas de “vetor de doença” por serem monossexuais? Pessoas cisgêneras sendo violentadas ou tendo direitos negados devido a sua identidade de gênero?
A finalidade dessa inversão é criar empatia por meio do estranhamento que tem lugar ao ver o grupo opressor colocado nesse contexto em que usualmente não se vê.
É inestimável dar destaque à existência dessas agressões e ao fato de que suas vítimas, por mais esquecidas e silenciadas que sejam, importam. Nenhuma manifestação de violência LGBTfóbica é isolada, mas sim alimentada por discursos de ódio que constroem um sentimento constante de intolerância. Desta forma, é crucial ter em mente que LGBTfobia é um assunto seríssimo e qualquer forma de discurso de ódio contra a população LGBT não é opinião, não é piada, não é brincadeira, é violência.
Acesse no site de origem: “E se fosse você?” (Jota, 17/08/2016)