(O Globo, 17/08/2016) Nate Parker parecia estar no céu: o tão sonhado projeto, “Birth of a nation” foi um dos maiores sucessos do festival de cinema independente de Sundance, sendo vendido para a distribuidora Fox Searchlight por US$ 17,5 milhões. Aplaudido pela crítica, o filme sobre Nat Turner, escravo que liderou uma rebelião em 1831, vai ainda participar do festival de Toronto antes de estrear nos Estados Unidos, em outubro, e já é considerado um pré-candidato ao Oscar. Mas o ator e diretor teve que voltar à terra rapidinho, depois que seu passado sombrio voltou ao escrutínio público.
Na terça-feira, a imprensa noticiou o suicídio de uma mulher de 30 anos que, em 1999, teria acusado de estupro Nate Parker junto com seu antigo colega de quarto da Universidade Penn State (e co-roteirista de “Birth of a nation”), Jean Celestin. Como a identidade de vítimas de abuso sexual não é divulgada, não há certeza se a mulher que tomou cerca de 200 comprimidos em 2012 é a mesma enfrentou os dois no tribunal. Na ocasião, Nate foi inocentado e Jean, condenado, mas um juiz ordenou um novo julgamento em 2005. Como a moça deciciu não testemunhar novamente, promotores optaram por não reapresentar as queixas.
A vítima, uma caloura da Penn State, alegou estar bêbada quando fez sexo com Nate, e afirmou nem ao menos conhecer o colega de quarto dele, com quem também teve relações. Testemunhas confirmaram sua embriaguez, mas divergiram sobre o nível, e se ela poderia ou não ter consentido com o ato sexual. Para a condenação de Jean Celestin, foram usadas gravações de conversas telefônicas obtidas por meio de um mandado judicial.
A morte da ex-universitária foi revelada pela revista “Variety”, que entrevistou seu irmão, identificado apenas como Johnny. Na reportagem, ele contou que a irmã entrou em depressão profunda depois do ocorrido, e que ela já havia tentado se matar duas vezes antes de concretizar o intento. E foi duro com Nate Parker:
“Não acho que um estuprador deveria ser celebrado. É uma decisão cultural que fazemos enquanto sociedade ir ao cinema e falar por meio de nossos dólares, recompensando um predador sexual”, afirmou Johnny.
Com a repercussão negativa (e com a distribuidora monitorando o caso), Parker publicou uma longa mensagem em seu Facebook.
“Estas são minhas palavras. Escritas do coração e não filtradas pelo olhar de um terceiro. Por favor, leia-as como algo à parte de qualquer outra plataforma que eu tenha, como algo vindo de outro ser humano.
Escrevo para vocês consternado…
Nos últimos dias, uma parte do meu passado — minha prisão, julgamento e absolvição em um caso de abuso sexual — ficou no centro de cobertura midiática, especulações de mídias sociais e conversas da indústria. Entendo por que tantos estão preocupados e, legitimamente, fazem perguntas. É extremamente importante falarmos sobre essas questões do direito das mulheres de estarem seguras e de relacionamentos saudáveis entre homens e mulheres, ainda que sejam complicados. E, de forma pessoal, como pai, marido, irmão e um homem de profunda fé, compreendo quanta confusão e dor este incidente causou, principalmente à jovem mulher envolvida nele. Eu mesmo acabou de saber que esta jovem acabou com a própria vida anos atrás, e fiquei profundamente triste… Não tenho palavras para descrever quão difícil foi ouvir esta notícia. Não consigo evitar pensar em todas as implicações que isto teve para a família dela.
Não posso — e nem vou — ignorar a dor pela qual ela passou durante e depois do julgamento. Enquanto mantenho minha inocência, pois o encontro foi inequivovamente consensual, exitem coisas mais importantes do que a lei. Existe a moral; ninguém que chama a si mesmo de homem de fé jamais deveria estar em uma situação dessas. Como um homem de 36 anos, pai de duas filhas e uma pessoa de fé, olho para aquela época e posso dizer, sem hesitar, que eu deveria ter sido mais sábio.
Olho para meu passado, minha atitude de indignação e senso de missão para provar minha inocência, com olhos tornados mais sábios pela experiência. Vejo agora que possivelmente não demonstrei empatia suficiente enquanto lutava para limpar meu nome. Empatia pela jovem mulher e empatia pela seriedade da situação em que coloquei a mim e a outros.
Não posso mudar o que aconteceu. Não posso trazer de volta à vida esta mulher que era a filha de alguém, a irmã de alguém, e a mãe de alguém…
Mudei muito desde os meus dezenove anos. Cresci e amadureci em tantos aspectos, e ainda tenho muito crescimento e aprendizagem pela frente. Tentei me portar de forma a honrar minha comunidade — e continuarei a fazer o meu melhor.
Dito isto, também sei que certas feridas não podem seu curada nem pelo tempo, nem por palavras.
Nunca fugi desse período da minha vida, e nunca o farei. Por favor, não encarem isto como uma tentativa de resolver o assunto com uma declaração. Peço que apenas aceitem esta carta como minha resposta ao momento.
Nate”